quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Turismo Cultural: arte pública de Jenner Augusto

Obras de Jenner Augusto expostas no Memorial do artista, no Centro de Aracaju

Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 18 de outubro de 2018  

Turismo Cultural: arte pública de Jenner Augusto

Por Silvio Oliveira (Blog Infonet)

Aracaju está entre os 65 destinos indutores do turismo nacional em infraestrutura geral, mas ainda não se configura como uma capital cultural, a exemplo de Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Ouro Preto. O binômio sol e praia, a gastronomia a base de frutos do mar, ou até mesmo os parques e centros comerciais fazem da capital de Sergipe atraente.

Nos últimos anos, esse contexto tem se modificando. Os olhares de turistas e sergipanos vem convergindo para o turismo cultural com a abertura do Centro Cultural de Aracaju, do Palácio-Museu Olímpio Campos, do Museu da Gente Sergipana, de galerias de arte, cafés culturais, memoriais, entre outros espaços. É crescente o apoio que os órgãos públicos e iniciativas particulares vem concedendo ao reconhecimento do valor cultural do povo sergipano e ao que esses espaços representam na construção de uma identidade sergipana. Mas poucos ainda reconhecem o valor da arte pública, projetada em esculturas, painéis, murais e estátuas em praças e prédios públicos.

Os painéis e murais do artista plástico modernista Jenner Augusto é grande exemplo. Eles também se configuram como uma boa pedida para àqueles quer querem conhecer a história do maior representante da arte moderna muralista de Sergipe e um dos expoentes de sucesso nas artes do final do século XX no país.

O Tô no Mundo traz um passeio pelas seis obras públicas de Jenner Augusto afixadas em prédios e em empresas na capital, Aracaju. São elas: as pinturas do Cacique Chá (1949), do edifício Walter Franco (1957), do prédio da Energisa (1961), do auditório do aeroporto Santa Maria (1962), do hall do Teatro Atheneu (1962) e do hall da reitoria da Universidade Federal de Sergipe (1980).

Jenner transportou para suas primeiras obras a “cor local” sergipana, 
com pinceladas de Portinari

Painéis, murais e esculturas de rua são representações que entram nos roteiros turísticos de várias cidades, juntamente com os prédios históricos, por documentar através de determinada arte um período da história, hábitos regionais e até mesmo um perfil de um determinado povo, ou seja, é através dessas manifestações artísticas uma fonte de registrar a história.

Basta olhar os espaços históricos do Centro de Aracaju e verificar que eles espelham fatos, formas e perfis de uma determinada época em representações artísticas, a exemplo dos painéis de Jordão de Oliveiral no hall do Palácio Museu Olímpio Campos, dos murais contemporâneos de Titiliano no centro de Aracaju e da escultura de Fausto Cardoso, primeira estátua posta em praça pública de Sergipe. E o que dizer das obras de Jenner Augusto localizadas no antigo Cacique Chá?

Personagens do cotidiano sergipano representados na obra do antigo Cacique Chá

Para iniciar essa viagem cultural ao mundo dos murais de Jenner Augusto é importante trazer à tona que Jenner Augusto da Silveira (1924 – 2003) é sergipano de nascimento, filho de professora e que passou grande parte de sua infância mudando pelas cidades do interior de Sergipe. Humilde, Augusto trabalhou como engraxate, sapateiro, ajudante de alfaiate, pintor de paredes, até começar a fazer cartazes para filmes. A partir daí, verificou-se o despertar de uma arte. O interesse pelas obras de Horácio Hora, pintor estanciano, na década de 40, incentivava a sua pesquisa no campo da pintura. Seus primeiros trabalhos são acadêmicos, já que o contato com o Modernismo, já amadurecido no Rio de Janeiro e em São Paulo, era quase impossível. Por volta de 45, data de sua primeira exposição, começou a integrar-se no ambiente artístico de Aracaju, mesmo não vendendo sequer um quadro em sua primeira exposição. Em 49 realizou a decoração do Bar Cacique Chá, marco da Arte Moderna no Sergipe, onde aparece clara influência de Portinari. Nesse mesmo ano passou a residir em Salvador (BA).

Os folguedos e simbolologias em painéis em Memorial inaugurado em 2015 
no Centro de Aracaju, justamente no efervescente Cacique Chá

Em 1951 participou da 1ª Bienal de São Paulo. Dois anos depois executou o painel “Evolução do Homem” no Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador (BA). Expondo no Rio de Janeiro, em 55, conheceu Portinari e Pancetti, que divulgaram o artista no meio artístico. É neste mesmo ano que foi apresentado ao maior divulgador de sua arte e um de seus maiores fãs, o escritor Jorge Amado. Jenner Augusto teve influência do baiano na sua vida e na sua obra, sendo o ilustrador do romance Tenda dos Milagres, onde conseguiu captar a alma dos personagens, ricos e fundamentais em elementos formadores da cultura baiana, tão representada pelo universo das personagens criadas pelo escritor baiano.

Jenner Augusto da Silveira saiu pelo mundo estabelecendo uma convivência com pintores consagrados (Mário Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Carybé, Poty, Rubem Valentim, Pancetti e Portinari), participando de exposições coletivas, realizando suas individuais, ganhando prêmios, medalhas, citações e homenagens, em reconhecimento pela genialidade da sua obra: Medalha de Ouro, no VI Salão Baiano (1956), viagem ao país do Salão Nacional do Rio de Janeiro (1959) e o Grande Prêmio de Pintura, do Salão de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul (1962). Nos anos 1960 realizou uma importante exposição com trabalhos abstracionistas no Museu de Arte Moderna na Bahia (MAM-BA).

Murais e painéis espelham a arte de Jenner no Cacique Chá

Em 1962 Jenner veio a Aracaju para pintar os painéis do Hotel Palace de Aracaju (removido para o hall do Teatro Atheneu) e outro no aeroporto de Aracaju. Fez sua primeira individual em São Paulo, no ano de 1965. Ainda nos anos 1960 Jenner viajou para os Estados Unidos e Europa, expondo seus trabalhos.

Em 1995 foi comemorado na Bahia o cinquentenário de suas atividades artísticas. Sua produção artística é caracterizada pela estética modernista, onde predominam temáticas regionalistas representadas a partir de estilizações e manchas de cores contrastantes. Em 2002, a ONG Sociedade de Estudos Múltiplos Ecológica e de Artes- Sociedade Semear, inaugurou em Aracaju (SE) uma galeria com seu nome.

Em 2015 Jenner ganha um memorial em Aracaju, justamente onde era a efervescia da sociedade sergipana: o Cacique Chá.

As principais obras públicas de Jenner em Aracaju estabelecem uma temática nacional por conter traços da economia da época, trabalhadores, paisagens nordestinas e figuras representativas do perfil sergipano, resguardando em pinceladas descendentes de Portinari e Carybé, além do cubismo tridimensional mexicano, em voga na época. Veja os seis painéis:

Cacique Chá

O índio Serigy virou símbolo da arte do Jenner, pintado logo na
 entrada do Cacique Chá pintado em 1949

Não é por acaso que o destino de turismo cultural representado pelos murais públicos de Jenner deve começar pelo seu memorial. Localizado no anexo do Senac Bistrô Cacique Chá, situado na praça Olímpio Campos, no Parque Teófilo Dantas, no centro de Aracaju, o espaço é um passeio por documentos, objetos, instrumentos de trabalho, recortes de jornais e revistas do artista, anotações e apontamentos.

Documentos, fotos e objetos de Jenner expostos no Memorial do Cacique Chá,
 além de obras por todas a parte

No memorial estão também os painéis pintados em 1949 e restaurados em 2015. Através deles Jenner introduziu a arte painelística em Sergipe. Os painéis trazem trabalhadores com um toque dos traços das pinturas de Portinari. Além do memorial, o local é cheio de história por lá ser o Cacique Chá fundado na década de 50 e passando a ser reduto da boêmia sergipana nos anos 80.

Edifício Walter Franco

Primeiro painel público de Sergipe pintado por Jenner em azulejaria 
de Udo Kenoff no centro de Aracaju

O edifício foi erguido em 1956 durante o governo Leandro Maciel e ocupou o espaço do prédio da Recebedoria Estadual, recebendo o painel de Jenner Augusto em 1957.

Primeiramente, o edifício foi construído com a destinação de abrigar as repartições do Governo e era conhecido como Palácio das Secretarias. Edifício de seis andares, o térreo ficou como Recebedoria Estadual, depois foi ocupado em 1982 pelo Banese, foi sede do Ministério Público do Estado por muitos anos.

Jenner e Udo assinam a obra que traz traços do cotidiano de Sergipe

O painel é o primeiro a ser instalado em praça pública e representa um marco muralista do modernismo de Sergipe. Sua regionalidade está presente no tema da época, a economia, com a produção agrícola, pescados, coro, caju, trabalhadores em mulas e caçoas. Traz traços cubistas mexicanos, em voga na época, com cerâmica do conhecido artista alemão Udo Knoff, que também assina o mural.

Tombado pelo patrimônio público do estado, poucos sergipanos se atem à qualidade e às particularidades da obra, como a presença de uma pomba branca em um painel pouco colorido. Com traços cubistas, a pintura traz uma tridimensionalidade e também tombada pelo Governo do Estado, sendo uma das primeiras obras vanguardista pública do gênero no Nordeste.

Em 2010 o mural foi restaurado pelo Banco do Estado de Sergipe, através da empresa AM Restauro, da Bahia, especializada na recuperação de patrimônios históricos.

Teatro Atheneu Sergipense

No hall do teatro Atheneu, a chegada da família Real ao Brasil

O cenário primário a ser afixado o painel datado de 1962 foi o restaurante do Hotel Palace, edificação considerada um marco da hotelaria moderna da capital sergipana e que foi aberta ao público neste mesmo ano. Com a deterioração e o fechamento do hotel depois de mais de 30 anos de funcionamento, em 2004 a obra de arte representando a chegada da família real no Brasil foi transferida para o Teatro Atheneu Sergipense.

Para realizar a complicada transferência, o painel foi cortado em diversos blocos de concreto e transportado até o teatro. Lá, juntaram-se os pedaços em 2012 o Governo de Sergipe, através da empresa AM Restauro conseguiu realizar a limpeza e restauro. Todo o processo durou em torno de quatro meses.

Energisa

Os primeiros habitantes de Sergipe concebida em 1961 e que não está aberta a visitação

A obra é uma das mais representativas do gênero do Estado em pintura de azulejo, intitulada “Os Primeiros Habitantes de Sergipe”, concebida em 1961 para o antigo saguão do aeroporto Santa Maria, em Aracaju, na época passando pela primeira ampliação da pista de pouso e do terminal de passageiros, sendo inaugurado em 1962. Naquela época, Aracaju contava com um dos mais modernos aeroportos do Nordeste.

Com a segunda reforma e aparelhamento do aeroporto em 1996, e inaugurada em 1998, o painel foi transferido do saguão do aeroporto para a empresa Energisa, estatual de energia do estado de Sergipe. Em 2003 o Estado tombou o patrimônio público e em 2008 passou por novo restauro.

Mesmo sendo um patrimônio público, a empresa solicita autorizo da presidência para visualizá-la, fazendo com que muitos sergipanos e turistas deixem de conhecer uma das principais obras do artista sergipano.

Aeroporto de Aracaju

Painel fica no auditório do aeroporto de Aracaju e necessita de restauro e conservação

Em 1962 Jenner presenteou o aeroporto com mais uma obra. Desta vez, no auditório da estação aeroportuária. A obra não é acessível ao grande público e não apresenta uma data da pintura visível, além de constar com graves problemas de conservação, necessitando de restauro. Em frente ao patrimônio público, há um painel e uma construção danifica o nome do artista.

Obra do aeroporto necessita de restauro e represta a economia e a cultura dos sergipanos

O monumento é mais um registro documental de uma época, pois nele preserva-se um dado momento social, com recorte temporal da cultura e da economia sergipana, a exemplo de trabalhadores da cana de açúcar, do gado e do coco, a obra traz uma pintada ruralista em cores fortes e com a assinatura do lado direito.

Reitoria da Universidade Federal de Sergipe

Painel na entrada da reitoria da UFS é o mais recente e traz aspectos científicos e culturais

Um dos painéis mais recentes do artista, datado em 1980, faz alusão aos brincantes do grupo folclórico parafusos de Lagarto, de prédios históricos de São Cristóvão, além de traços acadêmicos, a exemplo de jovens em solenidade de formatura e em atividades esportivas.

A painel partiu de um quadro menor presenteado anteriormente pelo artista ao reitor Aloísio de Campos, como forma de que o reitor tivesse a noção de como seria o trabalho final. Em 2015 a obra em miniatura foi restaurada pelo filho de Jenner Augusto, Guel Silveira, e entregue novamente a UFS. O painel final não foi restaurado ainda e preserva inestimável valor histórico e artístico, tombado pelo patrimônio público estadual em 2003.

Fontes:

http://www.institutomarcelodeda.com.br/banese-restaura-mais-um-patrimonio-historico-cultural-de-sergipe/ –

http://www.institutomarcelodeda.com.br/governo-restaura-painel-de-jenner-augusto-no-teatro-atheneu/

http://sergipeeducacaoecultura.blogspot.com.br/2012/03/baianidade-de-jenner-augusto.html

CARDOSO, Amâncio; ALVES, José Francisco. “Um marco da arte moderna em Sergipe: mural de azulejos do Edifício Walter Franco”, 2016.

BRITTO, Mário; FERNANDES, Zeca (Org). Jenner Augusto: vida e obra. Aracaju: Sociedade Semear, 2012.

Texto e imagens reproduzidos do site: infonet.com.br/blogs

Nenhum comentário:

Postar um comentário