Mostrando postagens com marcador MUDANÇA DA CAPITAL SERGIPANA. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador MUDANÇA DA CAPITAL SERGIPANA. Mostrar todas as postagens

sábado, 17 de março de 2018

Do Santo Antônio ao 17 de Março


Professor Antônio Lindivaldo de Souza

Publicado originalmente no site do Cinform, em 14 de março de 2018

Do Santo Antônio ao 17 de Março

Por Henrique Maynart

Cajueiros dos papagaios em nome tupi, cidade-porto.  Há exatos 162 anos e 360 dias, data de publicação desta reportagem, a nova capital do estado desembarcava na banda direita do Rio Sergipe para escoar o açúcar do Cotinguiba em direção ao mundo, mirando as ondas do mar. Os dados do IBGE apontam que cerca de 650 mil pessoas habitam o território da sobrevivência em exatos 3.140 quilômetros quadrados, formando uma perna de bailarina entre o Rio Vaza Barris, o Rio Sergipe e o mar aberto da Boca da Barra.  Centenária, moderna e excludente, Aracaju baila no tablado da topografia oficial de Sergipe.

Dentre os 39 bairros de Aracaju, abordaremos a história, os dilemas e possibilidades do Santo Antônio e 17 de Março, o primeiro e o último, o Norte e o Sul, o início, o fim e o meio da capital sergipana.

Aracaju não nasceu da colina

O Santo Antônio surge antes de Aracaju, mas a colina não cabia nos planos da capital. O povoado de Santo Antônio do Cotinguiba estava sob tutela da freguesia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, atual município de Socorro, até meados da segunda metade do século XIX. Registros do século XVIII já faziam referência ao povoado. Planejada para servir de escoamento à produção açucareira do Vale do Cotinguiba, Aracaju foi projetada para a planície, seu marco zero se encontra na Praça General Valadão. Tanto é que a Estrada Nova que ligaria a sede ao povoado, que atualmente é a Avenida João Ribeiro, só ficaria pronta dois anos depois. “Mesmo ladrilhando a Estrada Nova, a comunicação do bairro com a região central da cidade só se dará a partir de 1915, com a chegada dos bondes”, afirma o historiador Antônio Lindivaldo de Souza.

Em 1862 é construído o primeiro cemitério da cidade, que viria a se chamar Santa Isabel em 1921, em homenagem à morte da ex-monarca. A Capela do Santo Antônio seria elevada à condição de paróquia em 1915. Assim como os demais bairros da Zona Norte e Oeste de Aracaju, o Santo Antônio serviria de abrigo aos refugiados do progresso, aos que não caberiam no Quadrado de Pirro.

Para o comunicador popular Osvaldo Neto, estudioso do bairro, a divisão social do Santo Antônio se dá entre os negros fugidos, povos remanescentes, operários e os casarões das famílias mais abastadas de Aracaju nas margens das avenidas. “Ao lado oeste moravam aqueles que fugiam da seca do Alto Sertão Sergipano. Já no lado leste, na fronteira com o Bairro Industrial, próximo a Mata dos Caboclos, a Matinha e as nascentes do Mané Preto, habitavam os negros libertos, os operários das fábricas do Bairro Industrial e descendentes de índios”, afirma.

Rua Muribeca, nº 4. O Grupo de Teatro Imbuaça chegou ao bairro em 1980, dois anos depois da fundação do grupo. Na segunda metade dos anos 80 eles se instalam na sede do Diretório Central dos Estudantes da UFS, retornando definitivamente ao bairro em 1991. O bairro de pouco mais de 12 mil habitantes está mesclado à história do grupo. O projeto Mané Preto, que oferece oficinais de música, dança e teatro para a comunidade, é um dos cordões umbilicais do grupo ao bairro. “Nós abrigamos peças e ações culturais em nossa sede, além de atender 25 jovens por ano no Mané Preto. Estamos com este trabalho há décadas”, afirma Lindolfo Amaral, integrante do grupo.  O Imbuaça também ajuda na organização da fogueira de Santo Antônio, todo 13 de junho.

Ele lamenta o encolhimento de atividades culturais como a centenária Rua de São João, que vem perdendo espaço nos últimos anos, além do fechamento dos cinemas da década de 70. “O Cinema Atalaia e o Cinema São Francisco fazem muita falta na comunidade. A Rua São João diminuiu bastante o movimento nos últimos anos em virtude dos megaeventos que ocorrem na cidade durante os festejos juninos”, afirmou.

Ponto de partida

Uma alfândega, uma cadeia, uma mesa de rendas e um quartel. Este é o marco zero projetado pelo engenheiro militar Sebastião Pirro, sob influência direta das reformas urbanas em curso nas cidades europeias no século XIX, como a reforma de Paris. A largada da capital sergipana não partia mais da cruz e da igreja, assim como as cidades erguidas nos tempos da colônia como São Cristóvão e Laranjeiras, mas partia do comércio, das finanças, do exército e do cárcere.

“Cidades planejadas no mesmo período, como Teresina, traziam a cruz como ponto de partida, mas Aracaju trazia os símbolos do que representavam o progresso na época, dando à nossa cidade características modernas”, afirma Lindivaldo.

A partir da “Praça da Cadeia”, como era chamada a General Valadão, foi organizado o Quadrado de Pirro, que consistia em uma área de 1.188 metros divididos em 32 quadras simétricas, com ruas de 13 metros, avenidas de 20 a 25 metros, em três direções: norte, sul e oeste. Em suma, o Centro Histórico de Aracaju. A prática de aterramentos já era constante naquele período, sinal que o projeto de cidade não levava em conta os biomas presentes no território. Em artigo publicado em 2003, o professor Lindivaldo afirma: “Aterrou vales e elevou-se nos montes de areia. Grandes somas de dinheiro foram gastas com aterro e esgoto de terrenos baixos e úmidos, para que o projeto mantivesse a reta.”  O caso do aterramento da Coroa do meio, nos anos 80, e do Jardins, no final dos anos 90, ilustram este histórico.

Cidade fora do quadrado

Entre 1900 e 1920, a população de Aracaju é duplicada. Chegavam à capital os refugiados da seca, da ausência de recursos. Para evitar que a “cidade planejada” fosse contaminada pela elevação populacional, o legislativo municipal aprovou os chamados “Códigos de Postura”, que consistiam em um conjunto de regras a serem seguidas por quem quisesse residir na área do Quadrado de Pirro. Prevendo requisitos de fachada e construção, como a exigência de casas de alvenaria, os Códigos de Postura aprovados em 1910, 1912 e 1926 constituíram uma “limpeza social”, de acordo com Osvaldo Neto.

“E quem é que tinha condição de construir casa de alvenaria naquela época sem ajuda do Estado? Os Códigos de Postura serviram pra expulsar a população mais pobre da área privilegiada”, ratifica Osvaldo.

Excluída do quadrado, restava ao setor mais espoliado da população o que o historiador Fernando Figueiredo Porto nominou de regiões do “arrebalde”.  O “arrebalde” compreendia as regiões do Morro do Bomfim – na Rodoviária Velha -, no Carro Quebrado, atual São José, no Aribé, atual Siqueira Campos, no Santo Antônio, e demais territórios da Zona Norte e Oeste, a coxa da bailarina de Aracaju. O Morro do Bomfim era o ponto mais próximo da região central de Aracaju a acolher os refugiados do Código de Postura. Após ampla campanha, sob alegação de combate à prostituição e à delinquência, o Morro do Bomfim sofreu um despejo em meados da década de 50, no governo de Leandro Maciel, que desocupou cerca de 1200 casas. Seus refugiados subiram o morro em direção aos bairros Cirurgia, Getúlio Vargas, Siqueira Campos, Cidade Nova, dentre outros.

Nas costas do novo bairro

Um pulo de 60 anos no tempo. Aracaju, 17 de março de 2012. O então prefeito Edvaldo Nogueira (PCdoB) inaugura o mais novo bairro da cidade nas imediações do Santa Maria, na Zona Sul. Cerca de 3.500 unidades habitacionais construídas em parceria com o Governo Federal. Sem creche, sem esgotamento e macrodrenagem, sem Unidade de Saúde, sem escola e com pavimentação parcial. De acordo com Karina Drumond, diretora do Conselho das Associações de Moradores dos Bairros Aeroporto, Jabotiana e Zona de expansão de Aracaju (Combaze) o bairro não foi entregue nas condições ideais.

“Foi legalmente autorizado, mas não atendia a exigência do governo e a segunda etapa não tinha esgotamento, drenagem e água. Até hoje a segunda etapa do 17 de Março não tem esgotamento”, denuncia.

José Firmo, integrante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju, atenta para os impactos socioambientais da construção do bairro. “O 17 de Março foi construído numa região frágil, porque é uma região de nascente, o que é preocupante. Aquele não seria o local ideal para construir um bairro.”

A Escola Municipal de Ensino Infantil Dr. José Calumby Filho foi inaugurada em junho de 2016. De acordo com informações da Secretaria Municipal de Educação (Semed), a creche atende 200 crianças no bairro. O morador do bairro 17 de Março e militante do Movimento de Luta Por Moradia Erílio Bispo, rebate este dado. “Hoje nós temos no máximo 180 crianças atendidas na creche, que é um número grande, mas que ainda não atende a demanda”.

O bairro não conta com uma Unidade de Saúde até então. A comunidade é atendida nas unidades do Santa Maria e Santa Tereza. “Tivemos que ir á Justiça em 2015 pra garantir que o poder público municipal se comprometesse em construir uma Unidade de Saúde no bairro”, alega Karina Drummond. A Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju (SMS) comunicou à reportagem que já estão em curso as obras da Unidade de Saúde, orçadas no valor de R$ 1.500.841,74, sendo que R$ 700 mil deste montante vindos do Ministério da Saúde.

Mão de obra local

“E quem é que trabalha nas obras do bairro? As construtoras e empresas já chegam com equipe formada, elas não aproveitam a mão de obra da comunidade, com tanta gente desempregada no bairro querendo trabalhar, querendo oportunidade. A gente acha isso errado”, afirma Erílio Bispo.

A assessoria da SMS afirma que o projeto da maternidade do bairro está sob análise da Emurb. A previsão da abertura de licitação é para fevereiro de 2019, se todos os trâmites seguirem sem contratempos.

Erílio também demonstra preocupação com as obras do Canal do Santa Maria. “A gente vê a obra andando em ritmo de tartaruga e fica preocupado, porque está chegando a época de chuva e ninguém quer ficar debaixo de lama”, lamenta. Ele também ressalta a imensa cratera formada no trecho de ligação do 17 de Março ao Santa Maria, construído há poucos meses. “Mal ficou pronto o trecho de ligação, houve um acidente e uma cratera grande ameaça as pessoas que passam por lá, os carros, os ônibus”, afirma Erílio.

Do Bomfim à Mangabeira

A mangaba, fruto símbolo de Sergipe, dá nome a uma ocupação de 2 mil barracos de lona que se encontra nas imediações do 17 de Março o Recanto da Mangabeira. “Assim como o Morro do Bomfim, lá na década de 50, a Mangabeira não precisa de remoção e sim de políticas públicas de acolhimento”, afirma José Firmo, do Fórum em Defesa da Grande Aracaju. “Nós clamamos ao poder público que olhe para aquela comunidade e que uma solução seja encontrada por ali”, apela Karina, do Combaze.

Além da Mangabeira, o bairro conta com a ocupação 17 de Dezembro, que conta com 43 famílias, e a ocupação Terra Prometida, que conta com 148 famílias, de acordo com informações do movimento Luta Popular. Estas ocupações tiveram suas reintegrações de posse suspensas por 30 dias para negociação do cadastro do auxílio-moradia.

Dos Códigos de Postura ao Plano Diretor

Diferente dos Códigos de Postura do início do século XX, que eram organizados expressamente para manter a parte indesejada da cidade fora do quadrado planejado, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) é um instrumento legal que deve planejar e ordenar o crescimento urbano para garantir o direito à cidade. O último PDDU da capital é do ano 2000, outro Plano deveria ter sido encaminhado e votado na Câmara de Vereadores de Aracaju em 2010.

“Estamos com oito anos de carência, é um absurdo”, lamenta José Firmo. Uma versão do Plano fora aprovada em 2012, mas o projeto foi suspenso pela Justiça. Em 2015 o prefeito João Alves chegou a organizar as audiências e consultas nos territórios, mas não apresentou nenhum projeto ao Legislativo Municipal. “Precisamos de um Plano Diretor que atenda aos interesses dos mais pobres, que proteja os biomas como o manguezal, as lagoas naturais, as dunas, que não atenda exclusivamente aos interesses da especulação imobiliária. É lei, o município é obrigado a ter”, ratifica Firmo.

Por dias melhores

Centenária, moderna e excludente, Aracaju precisa acolher os povos do arrebalde, das ocupações populares e remanescentes. Que a diversidade, a dignidade e a fartura cheguem aos que não couberam, não cabem e não caberão nos Quadrados de Pirro que rondam a perna de bailarina na borda direita do Rio Sergipe.

Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br

quinta-feira, 15 de março de 2018

Aracaju: do xadrez de Pirro ao crescimento desordenado



Publicado originalmente no site F5News, em 14/03/2018

Aracaju: do xadrez de Pirro ao crescimento desordenado

Por Fernanda Araujo

A fundação da cidade de Aracaju ocorreu ao contrário do convencional para a época. A nova capital foi planejada especialmente para ser a sede do Governo do Estado, passando à frente de municípios já estruturados como a atual Barra dos Coqueiros e Laranjeiras.Com a mudança da capital para o povoado Santo Antônio do Aracaju, depois denominado ‘Cidade de Aracaju’, aprovada pelos barões das províncias, em assembleia provinciana, em 1855 um engenheiro militar seria, então, o responsável pela obra urbanística em um local onde, segundo historiadores, faltava saneamento, iluminação, higiene e calçamento, entre outros serviços essenciais.

O “quadro ou quadrado de Pirro” como são conhecidas as ruas tracejadas como um tabuleiro de xadrez, foi considerado um projeto engenhoso para a época, de acordo com os modelos mais modernos das cidades da Europa no século XIX.

Segundo o professor e historiador Adailton Andrade, a ideia do tabuleiro objetivou que todas as ruas tivessem uma direção ao mar – ao porto que seria construído. Na ótica do professor de história Fagner Araujo, o xadrez como base remete à difusão do racionalismo na administração pública. Seu desenho tinha um quadrado de 32 quadras, cada uma com ruas de 110 metros.

Sebastião José Basílio Pirro foi contratado por Inácio Barbosa, governador na época (1853-1855), para elaborar a primeira planta da nova cidade, formando quarteirões simétricos que causaram transformações no vilarejo original. Ele era um tenente coronel que, segundo relatos históricos, já se encontrava em Sergipe desde 1848, quando Inácio Barbosa o contratou.

De acordo com o historiador Adailton Andrade, Pirro era capitão graduado pela Escola Militar da Corte e obtinha destaque na época, em que o Exército era o responsável pelo corpo de engenharia. “Quando o engenheiro elaborou o projeto, não sabia que alguns anos mais tarde seria homenageado por outro engenheiro sergipano, Renato Conde Garcia, dando nome a um livro seu intitulado ‘O Quadrado de Pirro’”, afirma.

Após a realização da obra, em 1 de maio de 1867 Pirro foi eleito o 1º vice-presidente da província do Amazonas e foi quem abriu os trabalhos na Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas no dia 15 de maio daquele ano. Porém, não demorou muito até que ele decidisse deixar a administração, que durou menos de cinco meses. A administração foi passada no dia 9 de setembro de 1867 para o 5º vice-presidente João Inácio Rodrigues do Carmo, tendo assumido a presidência interinamente em apenas dezessete dias.

Atualmente, seu nome está gravado em uma das ruas do bairro 17 de Março, na zona Sul da capital sergipana.

O Quadro de Pirro e o impacto ambiental

No desenho do plano do tabuleiro havia um quadrado de 32 quadras, cada uma com ruas de 110 metros. Segundo historiadores, começou na Praça do Povo, atual Praça Fausto Cardoso, onde passou a ser o centro administrativo da Capital, com a construção do Palácio Olímpio Campos para sediar o Governo Provincial e os outros órgãos da administração, alavancando o crescimento no sentido norte/sul. Se desenvolveu a partir da Alfândega (atual Centro Cultural de Aracaju) sentido sul, em direção à Avenida Barão de Maruim, margeando o rio. E seguiu onde hoje está localizado o Edifício Estado de Sergipe (conhecido como Maria Feliciana) e leste/oeste a partir da Rua da Frente com seus limites no Morro do Bonfim, atual Rodoviária Velha. Pesquisas apontam que, em 1856, foram colocadas em prática as primeiras diretrizes urbanísticas da época, determinando que as ruas tivessem largura de 100 palmos. “O projeto da nova cidade, imaginada por Pirro, consistia de não mais que algumas quadras, distribuídas, não no outeiro, no arraial de Santo Antônio, como antes se estabeleceu, mas na restinga, por necessidade de se acalmarem os ânimos, justificando-se a melhor localização para um porto, servindo ao baronato inconformado”, afirma o historiador Adailton Andrade.

Neste quadrado as primeiras residências de alvenaria foram estabelecidas por famílias poderosas, da elite canavieira e principalmente do Vale do Cotinguiba, que segundo historiadores, seriam utilizadas para acompanhar a venda do açúcar no então Porto de Aracaju.

Para o pesquisador, a engenhosidade da obra trouxe à época a luz da modernidade, porém, hoje se transformou num grande problema de mobilidade. “A cada 100 metros um cruzamento, um sinal, ruas estreitas”, diz.

Texto e fotos reproduzidos do site: f5news.com.br

terça-feira, 13 de março de 2018

Aracaju: as questões políticas que motivaram a mudança da capital

Foto: reprodução

Publicado originalmente no site f5news, em 13/03/2018

Aracaju: as questões políticas que motivaram a mudança da capital
Por Fernanda Araújo

A mudança da capital sergipana, de São Cristóvão para o povoado Santo Antônio, atual Aracaju, plano colocado em prática em 1854 pelo então governador da província de Sergipe, Inácio Barbosa, segundo historiadores, têm uma série de outros fatores, para além da necessidade de construir um porto para facilitar o escoamento da produção e desatar os laços de dependência com a Bahia.

Elevar um povoado à categoria de cidade, em uma região de praias, pântanos e bosques, sem saneamento, para recepcionar os três poderes e os seus primeiros habitantes, teve razões econômicas para o desenvolvimento da província, mas, sobretudo, influência de dois grupos políticos que, segundo o historiador Adailton Andrade, tem reflexo na política até hoje.

Era costume na época do império, segundo Andrade, mudar a capital das províncias. Algumas cidades já faziam a mudança e Sergipe “foi na onda”, com a grande influência de João Gomes de Mello, o Barão de Maruim, que fazia parte do grupo político conservador, do Partido Corcunda chamado de “Rapinas”, assim como o eram também os comendadores Sebastião Gaspar de Almeida Boto e Antônio José Travassos.

“Inácio era recém-chegado em Sergipe, deputado da província do Ceará, o pai dele era chefe da guarda imperial da família de Dom Pedro, e ele era advogado, da escola militar, mas não conhecia nada desses movimentos políticos da região. Ele foi muito influenciado pelo Barão de Maruim, que na época era vice-presidente da Província”, explica o pesquisador.

Na análise de alguns historiadores, Sergipe, como as demais províncias do Império, vivia a fase de euforia econômica e de crescimento das cidades. Devido ao declínio do patriarcado rural, os centros urbanos eram procurados para obter contato político e realização de negócios.Tendo o açúcar como mola propulsora da exportação sergipana, a capital localizada no interior tornava difícil o escoamento da produção e seria necessária a mudança para o litoral do estado, com a construção de um canal portuário, atraindo navios.

Porém, segundo Adailton, a nova capital nunca teve condições de suportar uma construção desse porte. “Aracaju nunca teve e não tem até hoje. A ideia pensante foi o Barão de Maruim, o maior responsável pela mudança. Um ano antes da mudança eles conseguem desmembrar São Cristóvão, para criar Itaporanga D’ Ajuda e enfraquecer um pouco a cidade”, relata.

Quando se pensou em mudar a capital, a Barra dos Coqueiros, que possuía o povoado mais desenvolvido, foi a primeira candidata, de acordo com o professor. No entanto, conforme documentos da época, “Inácio Barbosa foi aconselhado pelo próprio imperador que a Barra não teria condições de ser a capital porque a sua água era de péssima qualidade”. Ainda segundo ele, pensaram até em Laranjeiras. Mesmo entre os membros conservadores ou do Partido Liberal, chamados de “Camundongos”, havia divergências a respeito da mudança da capital, que foi aprovada em assembleia provinciana com os barões da região, mesmo sob manifestações contrárias dos são-cristovenses, que queriam impedir a saída das repartições públicas e criticavam as condições de habitação, higiene e saúde da população que deveria ali se estabelecer.

“As pessoas favoráveis à mudança foi o grupo capitaneado pelo Barão de Maruim. O que houve realmente foi essa influência política que tinham os barões e coronéis da região da cana-de-açúcar, atrelada ao Barão de Maruim, grupos políticos voltados à oligarquia da cana e os grupos da área de Estância, de Santa Luzia do Itanhi, voltada à criação do gado”, ressalta.

Segundo o historiador, Sergipe já era autossustentável antes mesmo da mudança da capital, com a exportação da cana-de-açúcar, como também da farinha, do couro de boi utilizado para fabricação de sola de sapatos e da produção de algodão selvagem em Itabaiana.

“Sergipe conseguiu sua independência depois da mudança da capital porque já era altamente sustentável e não dependia da Bahia e mais ninguém. Além de se sustentar, Sergipe mandava produto para estados vizinhos. O projeto modernizador de Inácio Joaquim Barbosa, em torno do qual congregaram-se camondongos e rapinas, é um reflexo da conciliação que estava ocorrendo em nível nacional”, conta Andrade.

Texto e imagem reproduzidos do site: f5news.com.br

domingo, 11 de março de 2018

O aniversário da mudança da capital da província de Sergipe

 Foto reproduzida do site: brasilianafotografica.bn.br

Obelisco na Praça Inácio Joaquim Barbosa (Foto reproduzida do site: ajufest.com.br)
Imagens postadas pelo blog, para ilustrar o presente artigo. 

Texto publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 17/03/2006

O aniversário da mudança da capital da província de Sergipe
Por Maria Thetis Nunes

A Resolução 413, de 17 de março de 1855, do Presidente da Província de Sergipe Dr. Inácio Joaquim Barbosa, elevava à categoria de cidade o Povoado Santo Antônio do Aracaju, na Barra da Cotinguiba, com a denominação de cidade do Aracaju, para onde transferia, desde já, de São Cristóvão a Capital da Província.

Era a decorrência do Projeto que o Presidente encaminhara à Assembléia Legislativa Provincial, por ele convocada, extraordinariamente, em 1º de março de 1855, e que fora discutido até o dia 16 do mesmo mês de março, sendo aprovado por 16 dos 18 deputados presentes na sessão da Assembléia.

Contra a aprovação do Projeto da transferência da Capital, só seriam registrados protestos legais da Câmara Municipal de São Cristóvão à Assembléia Legislativa Provincial, e uma representação encaminhada ao Imperador Pedro II contra o ato. Pacíficas manifestações populares aconteceram em São Cristóvão criticando as responsáveis pelo ato da mudança da Capital da vetusta cidade, fundada após a conquista de Sergipe por Cristóvão de Barros, nos idos de 1590, um núcleo urbano com mais de 1.590 habitantes, onde atuavam oito sacerdotes, quatro médicos e dois advogados, com um palácio imponente, belos sobrados residenciais, igrejas majestosas, para um povoado semidesértico, de rústicas e toscas habitações entre mangues e areais.

Fatores externos e internos explicam o ato, aparentemente ousado e corajoso, do Presidente Inácio Barbosa, e a ausência de reação por parte da população sergipana e dos políticos locais.A Resolução de 17 de março se enquadrava no período de desenvolvimento e transformação estruturais que, a partir de 1850, vivia o país, e na política de Conciliação estabelecida em 1853 por Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná.

Como delegado do Gabinete da Conciliação, que havia auxiliado a instituir, fora Inácio Joaquim Barbosa “nomeado Presidente de Sergipe, levando para a administração da província uma mensagem de justiça, paz, trabalho e prosperidade”.

A política de Conciliação tornava-se essencial ao desenvolvimento do capitalismo que se processava no país, a partir da segunda metade do século XIX, com a extinção do tráfico negro. Os capitais, até então aplicados no comércio escravagista, deslocavam-se para as indústrias surgidas, as estradas de ferro, a navegação a vapor e os serviços públicos essenciais à nova realidade social que se ia constituindo.

Eram, assim, imprescindíveis medidas que atendessem ao aparelhamento das novas forças de trabalho visando à maior produtividade e maiores lucros, com a implantação de meios de transporte rápidos entre os centros comerciais do litoral e as fontes de produção interioranas. Nesta exigência, iria enquadrar-se a mudança da capital da Província de Sergipe.

Vivia a Província de Sergipe, então, uma etapa promissora em sua vida econômica com a expansão dos canaviais pelos vales férteis de massapê trazendo o crescimento da produção açucareira dos 755 engenhos em funcionamento, beneficiada com a valorização do açúcar nos mercados internacionais.

Com o respaldo do Gabinete de Conciliação, o Dr. Inácio Joaquim Barbosa era nomeado Presidente da Província de Sergipe por Carta imperial de 7 de outubro de 1853, tomando posse em 17 do mês seguinte. Nascera na Província do Rio de Janeiro em 1823; formado peta Faculdade de Direito de São Paulo em 1844, inciciou na Corte suas atividades como advogado. Em 1848 seguiu para o Ceará a fim de ocupar o cargo de Secretário do Presidente Fausto Aguiar, onde se casou, retomando depois para o Rio de Janeiro, vindo como Suplente de Deputado da Província do Ceará na legislatura de 1852/1853, pelo partido Conservador.

Assumindo o mandato, destacar-se-ia pelo conhecimento demonstrado das finanças nacionais, como jurista, e pela inteligência, cultura e independência de atuação, assim registram os Anais da Câmara. Recebeu a condecoração de Cavalheiro da Ordem da Rosa por ato de 1848, e a de Oficial em 1854.

Não possuía Inácio Barbosa qualquer ligação com políticos sergipanos, mantendo-se acima das rivalidades político-partidárias que marcavam a vida sergipana na luta pela manipulação do poder. Conseguiria colocar-se "sobranceiro aos partidos”, acima das disputas político-partidárias, cumprindo o programa definido pelo Gabinete de Conciliação. Sua correspondência aos ministros demonstra a preocupação com a realidade da Província.

A Resolução de 17 de março de 1855, transferindo a capital para o povoado de Santo Antônio da Aracaju, não seria um ata impetuoso do Presidente, mas planejado objetivamente dentro da realidade do momento em que vivia o pais, evidenciam as medidas que por ele vinham sendo tomadas através do ano de 1854 aparelhando o povoado do Aracaju para a posição que lhe estava destinada.

Compreendendo a dependência econômica da Bahia vivida por Sergipe, desde quando o comércio de importação e exportação continuava a ser feito através do porto de Salvador apesar da existência de uma alfândega desde 1824, Inácio Barbosa baixou a Resolução de 23 de fevereiro de 1854 estabelecendo a pesada do açúcar nos trapiches sergipanos e, para que ela tivesse êxito, procurou resolver o problema da dificuldade de navegação nas barras da Província, de há muito tentada sem solução, por meio de barcos de reboque que protegessem e conduzissem, através da rebocagem, os navios em sua entrada e saída nos portos sergipanos, evitando os constantes naufrágios que deles os afastavam.

Criou, então, a Associação Sergipana, grande vitória de sua política conciliatória ao conseguir a cooperação, como acionistas, de destacadas pessoas dos diferentes partidos poiíticos. O projeto de sua criação encaminhou ao Governo imperial, que o aprovaria por decreto de 14 de outubro de 1854, concedendo-lhe subvenção, o que também faria a Assembléia Legislativa Provincial.

O vapor rebocador, encomendado a uma firma especializada de Londres, com o nome de Aracaju ancoraria no porto da Capital em 5 de maio de 1856, iniciando as atividades, rebocando com segurança os navios que entravam e saíam do porto, evitando a perda de embarcações, os naufrágios constantes, contribuindo para o comércio marítimo sergipano ao possibilitar grande afluência de navios nacionais e estrangeiros.

A Atalaia do porto da Cotinguiba, que se encontrava em más condições, foi reestruturada por sua determinação. Discretamente, no decorrer de 1854, Inácio Barbosa foi transferindo para Barra do Aracaju repartições essenciais às atividades econômicas, como a Alfândega, o Consulado Geral da Província, a Mesa de Rendas Provinciais. Em janeiro de 1855 eram estabelecidos uma Agência dos Correios e um subdistrito da Delegacia de Polícia na Barra da Cotinguiba.

Tiveram sua atenção os transportes internos a partir da construção de algumas pontes essenciais e estradas terrestres. Reorganizou a Guarda Nacional e reformou o Corpo Policial. Voltou-se o Presidente, também para a educação baixando, em 1º de setembro de 1854, o Regulamento para “uso das Escolas, com o fim de dar uniformidade ao ensino”, sendo determinados os deveres dos professores públicos e as penalidades que lhe poderiam ser aplicadas se os infringissem.

Era fixado o período de férias escolares para toda a Província e a horário de funcionamento das aulas do curso secundário. Proibiu o uso de palmatória nas escolas, repudiando os castigos corporais como forma de educação. Reorganizou a Biblioteca Pública criada em 1848 pelo Presidente Zacarias de Góis e Vasconcelos, providenciando verbas para a compra de livros e assinatura de revistas nacionais e estrangeiras.

Mas, das suas realizações, a que mais se destacaria, escrevendo o seu nome na História, indiscutivelmente foi a Resolução transferindo a Capital da Província de São Cristóvão para o povoado de Santo Antônio do Aracaju. A localização geográfica da cidade de São Cristóvão não correspondia às exigências das atividades comerciais sergipanas em plena expansão. O rio Vaza-Barris, largo e profundo na foz, logo depois bifurca-se, tendo um dos seus braços a direção da Vila de ltaporanga e da província da Bahia.

O outro braço, estreito, com o nome de Paramopama, banha a cidade de São Cristóvão, não oferecendo, porém, condições à navegação e, conseqüentemente, ao comércio, que convertia para a cidade de Estância favorecida pela barra do Rio Real, ou para as cidades de Laranjeiras e Maruim em busca da barra da Cotinguiba, onde o porto possuía melhores condições para o comércio.

Aracaju foi "uma das mais felizes vitórias da Geografia”, acertadamente afirmou Fernando Porto. Localizada à margem esquerda do rio Sergipe (conhecido até os começos do século XX como Cotinguiba, que na realidade é um dos seus afluentes), o povoado de Santo Antônio do Aracaju é eqüidistante dos pontos extremos do litoral sergipano, ou seja, das barras dos rios São Francisco e Real.

“Por sua posição topográfica domina a porção maior e mais rica da Província, pois que se pode e deve considerar como tributários dela os povoados de Laranjeiras, Maruim, Capela, Santo Amaro e outros, visto que ficam no interior de rios, que vêm desaguar na mesma barra, a qual, como sabeis, exporta e importa mais de 2/3 da exportação e importação da Província”, afirmava o Presidente Inácio Barbosa. A nova capital deveria tornar-se entreposto comercial, combinando as funções política e econômica.

Era, então, Aracaju um povoado "de algumas centenas de habitantes”, em sua maioria pescadores. Antes de apresentar o projeto da transferência da capital à Assembléia Legislativa em reunião extraordinária convocada para 1º de março, o Presidente Inácio Barbosa convidou deputados, proprietários e pessoas de projeção na saciedade provinciana para uma reunião, em 25 de fevereiro no engenho Unha de Gato do Barão de Maruim, objetivando dele lhes dar conhecimento. Dos presentes, apenas três foram contrários ao projeto: o Comendador Antônio José da Silva Travassos, o vigário José Gonçalves Barroso e o deputado Dr. Martinho de Freitas Garcez.

Em 1º de março, o Presidente Inácio Barbosa apresentou o projeto da mudança da Capital à Assembléia Provincial reunida no povoado de Santo Antônio do Aracaju, que faz no dia imediato, sua abertura oficial com a presença de 18 deputados dos 20 que a integravam. Decorreram tranqüilas as discussões sobre o projeto, manifestando-se contra apenas o Vigário José Gonçalves Banoso e o Dr. Martinho de Freitas Garcez, dos quais seriam os dois votos contrários à sua aprovação no dia 16 de março. O Presidente o sancionaria, no dia seguinte, pela Resolução nº413.

Em 9 de junho, o Governo Imperial, comprovando estar de acordo com o ato da mudança da Capital, transferia de São Cristóvão para Aracaju a Administração do Correio.

O planejamento da nova cidade foi entregue pelo Presidente ao capitão de Engenharia Sebastião José Basílio Pirro, já vivendo em Sergipe desde 1848, que elaborou a primeira planta de Aracaju, “um traçado em xadrez”, e "dentro de um quadrado de 540 braças de fado estavam traçados quarteirões iguais, de forma quadrada com 55 braças de lado, separados por ruas de 60 palmos de largura. Como se vê, o supra-sumo da simplicidade e do rigor geométrico”. A partir da drenagem e aterro dos pântanos na região atualmente localizada entre as praças Fausto Cardoso e General Valadão, o Presidente iniciou a construção dos primeiros edifícios: a alfândega, o palacete provisório para sediar a presidência, o quartel para a Polícia, e, com contribuições particulares, inclusive dele, a Casa da Oração, de pequeno tamanho, para as práticas religiosas enquanto a Matriz N. S. da Conceição não estivesse concluída, tendo sido lançados os alicerces.

Interrompida a construção com a morte prematura do Presidente, as obras só seriam continuadas em 1862, não mais no local inicial, no meio da atual travessa José de Faro, mas onde atualmente se encontra a Praça Olímpio Campos. Encontrando a Casa de Oração só nos alicerces em 1856, o Presidente Salvador Correia de Sá e Benevides, para atender ao número crescente dos habitantes da cidade, decidiu construí-la maior, aumentando o seu tamanho com nome de Capela São Salvador. Embora nela, já nos fins de 1856, se realizassem os atos religiosos, esse Presidente não a inauguraria por ter se afastado do governo em abril de 1857.

Sua inauguração ocorreu em outubro, na presidência do dr. João Dabney D’Avelar Brotero, como sede da Freguesia de Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba. O mesmo sucederia com o Palácio do Governo, só tendo sido a construção retomada em 1859 e concluída em 1861. Inácio Barbosa também providenciou a construção de uma estrada ligando a capital ao povoado Santo Antônio no alto da colina, atual avenida João Ribeiro. Programara a construção do liceu que sua morte impediria de tornar-se realidade.

Cumpre ressaltar o interesse de particulares para a construção de residências na nova Capital, atestado pelos constantes pedidos de aforamentos de terrenos da marinha. Nos primeiros dias de agosto, a Capital era abalada pela notícia da doença do Presidente lnácio Barbosa, necessitando ele de viajar para Estância em busca “de melhores ares”. Agravado o seu estado de saúde, passou o governo ao 2º Vice-presidente José da Trindade Prado, na ausência do primeiro, o Barão de Maruim, que se encontrava na Corte. Em 6 de outubro, o Presidente falecia aos 33 anos de idade. Enterrado na cidade de Estância, seus restos mortais foram transportados para Aracaju em 1858.

São impressionantes as manifestações de pesar prestadas à memória de Inácio Barbosa pelo povo de Estância e Aracaju quando dessa transladação, considerando-se não possuir ele na Província qualquer ligação familiar ou com os partidos políticos locais. Traduziam, realmente, o reconhecimento sergipano às suas realizações no curto espaço de um ano, dez meses e dezenove dias que governara Sergipe.

O Presidente Salvador Correia de Sá e Benevides, ao tomar as providências para a remoção dos seus restos mortais de Estância para Aracaju, autorizada pela resolução Provincial n-º453, de 3/9/1856, justificava afirmando que, na nova Capital, “atestarão a cada momento, que as bases do brilhante futuro da Província foram plantadas por este homem em sacrifício de sua vida”. A transladação era prevista para fevereiro de 1858, tendo ele tomado as providências necessárias para a realização, a partir de aquisição, em Recife, do túmulo de mármore a ser colocado no local escolhido nos fundos da Capela de São Salvador.

Afastando-se do Governo de Sergipe em abril de 1857, o translado foi realizado pelo seu sucessor, o Dr. João Dabney D’Avelar Brotero, em 19/2/1858, dentro do programa divulgado no Correio Sergipense, revestido de grandes solenidades desde a saída de Estância, acompanhado de grande número de populares e chefes políticos, ao sepultamento em Aracaju.

Os discursos fúnebres dos Drs. Manuel da Silva Rego, José Antônio de Almeida Castro e de Domingos Mondin Pestana relembraram e enaltecerarn a atuação do Presidente morto. O poeta José Maria Gomes de Souza, que se destacaria entre os nomes do Romantismo brasileiro, em vibrante poema enalteceu a passagem de Inácio Barbosa pelas terras sergipanas.

Todos os atos que marcaram as solenidades das exéquias foram compilados e publicados por determinação do Presidente D'Avelar Brotero, constituindo importante documento de um momento significativo da história da Província de Sergipe.

O túmulo, construído nos fundos da Igreja de S. Salvador, está registrado no Diário do Imperador Pedro II quando de sua visita a Sergipe em janeiro de 1860: “Túmulo do Dr. Barbosa no fundo da matriz rodeado de flores num canteiro; o monumento de mármore é simples e bonito’.

Dominou na Província o temor de que a morte de seu fundador trouxesse o fim de Aracaju, acentuado com o surto de moléstias endêmicas, das quais poucos escapariam de ser atingidos. Também chegaria a cólera morbus desde os meados de setembro de 1855, “espalhando-se com a velocidade de raio por todas as Cidades, Vilas, Aldeias, Arraiais, e mesmo pelos insignificantes lugarejos e estradas onde existiam habitadores, resultando grande mortandade”.

A cidade-criança, porém, resistiu e venceu a todas as adversidades. Os sucessores de Inácio Barbosa, o Coronel José Trindade do Prado, vice-presidente, (10 de setembro de 1855 a 27 do mesmo mês), o Barão de Maruim, vice-presidente (27/9/185S a 27/2/1856), o Dr. Salvador Correia de Sá e Benevides (27/2/1856 a 10/4/1857), o Barão de Maruim, vice-presidente (10/4/1857 a 5/8 do mesmo ano), o Dr. João Dabney D’Avelar Brotero (5/8/1857 a 7/3/1859), o Dr. Manuel de Cunha Galvão (7/3/1859 a 15/3/1860) não interromperam a construção das obras iniciadas, construindo outras que se faziam necessárias.

O Mapa Estatístico, anexo ao relatório do Presidente Salvador Correia de Sá e Benevides apresentado à Assembléia Provincial Legislativa em 1º de fevereiro de 1857, atesta que a nova Capital se consolidava vencendo os problemas surgidos, registrando, então, 1.484 habitantes, sendo 1.191 livres e 293 escravos, ocupando variadas profissões. O Presidente dava conhecimento de que as construções iniciadas por Inácio Barbosa e por ele continuadas, quase todas já se encontravam concluídas. Destacando as obras de esgoto e o aterro dos pântanos, enfatizava: "quem viu a imensa lagoa que se estendia de uma a outra extremidade da cidade e as inúmeras escavações, que havia em toda ela, não deixará de reconhecer a economia com que se efetuou uma obra tão importante”.

Falava da diminuição verificada nos casos das febres intermitentes, do crescimento rápido da população da nova Capital, “que dia a dia vai tomando grandes proporções” vencendo os problemas do meio – charcos, pantanais, mangues.

O médico e viajante alemão Avé L’Allement, no livro Viagem pelo Norte do Brasil, retratou o progresso da jovem cidade que visitara em 1859: “tem aspecto sumamente agradável. Tudo é bonito e novo na margem (do rio) embora muito provisório. A residência do Presidente, a Câmara Provincial dos Deputados, um quartel, uma igreja e até uma loja maçônica – tudo ostenta na sua pequenês e exigüidade de espaço, primorosa e bonita aparência. Por toda parte se trabalha, por toda parte se constrói, se cria”.

Em 1859 já funcionava a Sociedade Regeneração Dramática anunciando sua 3ª Récita em homenagem ao Presidente Dr. João Dabney D’Avelar Brotero “como exígua prova de simpatia e dedicação”.

Cinco anos após a fundação, em janeiro de 1860, festivamente, Aracaju recebia a visita de Pedro II e a Família Imperial. Em seu Diário, o Imperador registrou o funcionamento normal da administração da nova Capital em prédios próprios, tendo visitado escolas públicas para meninos e para meninas e argüido os alunos.

O Presidente Inácio Joaquim Barbosa, ao fundar Aracaju, criou a primeira cidade livre de Sergipe. “Não tinha sua vida compromisso com a terra e seus senhores. Os que aí se estabeleceram pisaram terreno neutro, não alimentaram preconceitos. Todos se igualaram na luta contra o meio hostil. Do desenvolvimento da nova cidade surgiu o prestígio de um novo elemento: o comerciante. Características que marcariam a nova cidade-capital",escreveu Fernando Porto.

Bonifácio Fortes, ao estudar a trajetória política de Inácio Barbosa, disse que era ele “um dínamo”, e transcreve o depoimento de um contemporâneo de sua ação, o jornalista Mondim Pestana: “Não descansava. Nem os ardores do sol, nem a força da estação invernosa lhe obstavam o empenho de construção dos edifícios públicos e mesmo particulares que animava vigorosamente.” “Este homem que reputam como “possuidor de muita literatura”, um poliglota perito em grego, latim, francês, italiano, era um homem prático, objetivo, e, acima de tudo, arguto”.

“O homem não faz a história, mas a hisfória não se faz sem o homem”. O grande homem é aquele que, captando a realidade do momento em que atua, seus problemas, para eles busca solução dentro das condições sócio-econômicas vigentes.

Assim agiu Inácio Joaquim Barbosa. Ao transferir a capital da vetusta cidade de São Cristóvão para as praias semidesérticas do povoado do Santo Antônio do Aracaiu, escreveu uma página importante da História da Província de Sergipe à qual incorporaria o seu nome.

Texto reproduzido do site: infonet.com.br