sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Memória do 'Carrossel do Tobias' e das Antigas 'Feirinhas de Natal'

Professor Vilder Santos


Professora Aglaé Fontes

Sentimento dos antigos natais...


Clara Angélica

Fotos de Erick O'Hara

Publicação compartilhada do site GOVERNO DE SERGIPE, de 8 de dezembro de 2023

Governo de Sergipe retoma clima das antigas feirinhas natalinas com Vila do Natal Iluminado
Natais de Aracaju eram marcados pelo encontro das famílias no Parque Teófilo Dantas, incluindo apresentações musicais, parque de diversões e ritos religiosos

Na capital sergipana, o período natalino traz consigo memórias de festas familiares que saíam dos ambientes domésticos e se espalhavam por praças e espaços urbanos. Desde o início do século XX até o começo dos anos 80, o Natal no estado era marcado pelas feirinhas, que reuniam aracajuanos e turistas para brincar, rezar e celebrar. Este sentimento vem sendo retomado pelo Governo de Sergipe, a partir da realização de programações como a Vila do Natal Iluminado, que acontece na Orla da Atalaia.

Com passagem por espaços como a Praça Tobias Barreto, no bairro São José, as festividades natalinas em Aracaju migraram para o Parque Teófilo Dantas, hoje Praça Olímpio Campos, que se tornou o principal cenário das recordações. Quem conta essa história é a professora, escritora, folclorista e historiadora Aglaé Fontes.

“A área era muito bem dividida. A Catedral, no Centro, era o espaço da fé. No fundo, era o lugar dos boêmios: o chamado ‘Egito’. Ali havia uma série de bares e barracas de lona, tipo tendas, onde também ficavam os jogos de azar e apostas. Ao lado da Catedral, havia os brinquedos para as crianças, montados de dezembro a janeiro. E em frente, havia um estrado onde se apresentavam as bandas de música. Quem morava fora de Sergipe vinha no Natal, porque era um momento de muita festa”, narra.

Sobre a parte musical, Aglaé destaca sua relevância na ambientação das celebrações. “As filarmônicas apresentavam as retretas, que eram a execução pública de um repertório musical. Eram bandas como a do Exército e a da Polícia Militar, que tocavam os dobrados. Não chegavam a ser músicas eruditas, mas populares, de boa qualidade”, detalha.

Outra marca do Natal em Aracaju em tempos idos eram as manifestações folclóricas. “Havia apresentações dos grupos pertencentes ao ciclo do Natal, como Reisado, Pastoril e Guerreiro. Também havia as Zabumbas, que eram um conjunto instrumental que acompanhava procissões, novenas e a famosa Missa do Galo, à meia-noite. Ao lado esquerdo da Catedral era montado o Cruzador Bahia, um navio com a lateral de pano em cima do qual se apresentava a Chegança, contando as aventuras no mar”, relembra a pesquisadora.

Essa atmosfera festiva é recordada por quem morava em Aracaju ou visitava a cidade naquele tempo. No ar, rescendia o aroma do cachorro-quente de Seu João, entre outras iguarias. No alto, pontos luminosos encantavam crianças, jovens, adultos e idosos. Quem guarda essas e outras reminiscências de antigos Natais é a jornalista Clara Angélica Porto.

“Havia vendedoras de rolete de cana, pipoqueiros, barquinhos cheios de confeite e várias guloseimas. Era uma festa. Quando Godofredo Diniz foi prefeito, na década de 60, inaugurou uma iluminação deslumbrante, com árvores de Natal e estrelas em frente à catedral. Aracaju ficava linda e as luzes lhe caíam muito bem”, descreve.

Aglaé Fontes enfatiza que práticas e elementos vistos hoje como tradições natalinas tinham significados diferentes à época. “Já se falava em Papai Noel, sobretudo nas casas elegantes. Mas a festa não era dele. E na minha casa, por exemplo, não se comia o peru, que é uma tradição europeia. Para nós, uma comida de Natal popular é a ‘fatia de parida’, que é o nome que damos à rabanada na cultura sergipana”, aponta.

A pesquisadora destaca que as famílias tradicionais chegavam a instalar bancos na praça, identificados com seus sobrenomes. “Era um lugar para esperar a missa, assistir às retretas, esperar os filhos. Se alguém que não fosse da família se sentasse, cedia o lugar quando a família chegava, pois havia respeito àquele espaço. E todos se arrumavam. As pessoas faziam roupas para o Natal, Ano Bom e Reis. Havia, então, essa questão social. Ao mesmo tempo, era uma festa de ricos e pobres, porque a igreja unia todas as classes. O nascimento é para todos, porque aquele que nasceu era humilde”, considera.

Carrossel do Tobias

Outro ícone dos Natais em Aracaju era o Carrossel do Tobias, que chegou a Aracaju em 1904. Fabricado nos Estados Unidos, o brinquedo era inicialmente movido a vapor, antes de tornar-se elétrico. Passando por diversos donos desde então, o carrossel foi comprado pelo Governo do Estado em 1984 e, em 1987, tombado pelo Patrimônio Histórico. Seu último dono foi o ex-vereador de Aracaju Milton Santos, que o comprou em 1959.

Deteriorado pelo tempo, o que restou do equipamento se encontra hoje restaurado, preservando alguns cavalos originais e o personagem do homem negro – o famoso e popular Tobias – que o enfeitava e nomeava. Até hoje, há quem recorde com saudade seu apito característico, que ressoava por Aracaju sempre a partir das 16 horas. Hoje, o carrossel está exposto no Museu da Gente Sergipana.

O professor Vilder Santos, filho de Milton Santos, afirma que o carrossel era uma de suas brincadeiras preferidas na infância, desde os quatro anos de idade. Com o passar dos anos, o equipamento tornou-se não só sua paixão como seu objeto de trabalho. Era ao seu lado que Vilder passava tardes e noites coletando os bilhetes de entrada, na juventude. Ele ressalta a história do brinquedo, que era o ponto de encontro das famílias e amigos.

“O carrossel já estava praticamente vendido para Recife por seu dono anterior, Juvenal. Meu pai propôs a compra à Prefeitura de Aracaju, que acabou não o fazendo. Foi então que meus pais, que não tinham dinheiro algum, tomaram emprestado para fazer a compra. Nosso último Natal no Parque Teófilo Dantas foi em dezembro de 1979. Foram 21 edições da festa, e o Tobias era a cara dos Natais. Depois, deixamos de vender para Pernambuco e Minas Gerais por um preço maior para vender ao Estado. A preocupação dos meus pais era de que o carrossel permanecesse aqui”, diz.

Segundo Vilder, antes de se instalar no Parque Teófilo Dantas, o carrossel já passou pela Praça Camerino e pelo Desmonte do Morro do Bonfim, perto de onde se localiza hoje o Terminal Luiz Garcia. “Em março de 1955, o carrossel veio para a Praça Teófilo Dantas. Antes, ele alternava a localidade. Entre esses espaços, ficava a Praça Pinheiro Machado, que mudou de nome para Tobias Barreto. Inclusive, quando houve a troca do nome, as pessoas chamavam o 'Carrossel da Tobias'. Depois, virou o 'Carrossel do Tobias', e o nome se perpetuou”, enfatiza.

Além do carrossel, outros brinquedos integravam o Parque Dom Pedro II, de propriedade de Milton Santos. Eles fazem parte das lembranças de Clara Angélica. “A roda-gigante levava os olhos até a Barra dos Coqueiros. No carrossel, havia cavalos garbosos e bem-ornamentados e cadeiras com ares de nobreza. Tinha também as ondas, que lhe levavam para cima e para baixo. Os barcos exigiam força muscular, e as mães cuidavam para que os filhos ficassem a uma distância segura”, conta a jornalista.

Igreja

Para a professora Aglaé, a principal diferença entre as celebrações natalinas de antigamente e de hoje é o foco religioso. Na Aracaju de outrora, o nascimento do Menino Jesus era o principal motivo de festejar, levando as famílias à prática de diversos rituais. Este processo, que Aglaé denomina como o ciclo da natividade, se iniciava em 8 de dezembro, com a festa de Nossa Senhora da Conceição, e ia até 6 de janeiro, com o Dia de Reis.

“O que se comemorava era o menino, e não o Noel. O centro de interesse da festividade era a igreja. Em torno dela, aconteciam os jogos, as brincadeiras, as rezas e a música. Mesmo quando a festa ainda acontecia na Praça Tobias Barreto, por exemplo, era defronte à Igreja São José. E na hora da missa tudo parava e silenciava. Havia um respeito e uma integração muito grandes”, sublinha.

Clara Angélica concorda. “A procissão da padroeira era linda e, ao final, a multidão se espalhava pelo Parque Teófilo Dantas, dando vivas e salvas à Virgem Imaculada. No dia 1º de janeiro, a grande festa era a procissão de Bom Jesus dos Navegantes, no Rio Sergipe, e as pessoas aguardavam a travessia para acompanhar o Bom Jesus até a Catedral. Tudo era lindo e associado às festas da igreja”, rememora.

Aglaé sublinha que, apesar do caráter cristão, a festa era frequentada e receptiva a pessoas de todas as religiões. “Todos iam à festa de largo, ainda que não quisessem ir à missa ou comemorar a parte cristã. A feirinha era muito democrática”, avalia.

Hoje em dia

O espírito de união entre as famílias e de encontro com os entes queridos, que caracterizava o Natal do passado, vem sendo recuperado nos dias de hoje. Este é o intuito da Vila do Natal Iluminado, realizada pelo Governo de Sergipe em parceria com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Sergipe (Fecomércio) e apoio da Energisa.

Para a pesquisadora, é necessário um resgate dos valores natalinos. “Para retratar o sentimento do Natal, é preciso muito mais do que luzes. Trazer de volta uma história que foi importante culturalmente para o estado, que são as feirinhas de Natal, demanda resgatar que a celebração é em torno do nascimento do menino. É preciso o compromisso de reaver a montagem dos presépios e as retretas na praça. É um momento de transformação, onde o ponto mais importante é o sentimento de amor e perdão. Fora disso, não acho que tenha 'feliz Natal'”, frisa Aglaé.

Localizada na Orla da Atalaia, em Aracaju, a Vila do Natal Iluminado envolve apresentações de mais de 60 artistas e grupos sergipanos. Realizada pela primeira vez, a programação tem o objetivo de proporcionar a sergipanos e turistas a experiência inédita de um período natalino em um dos principais cartões-postais do estado.

Com ambientação temática, a vila conta com presépio, igreja cenográfica, roda-gigante, pista de patinação no gelo, casa do Papai Noel, trenzinho, árvore de Natal de LED e espaço instagramável. A estrutura também integra espaço de alimentação com bares e lanchonetes, economia solidária e comercialização de artesanato.

Texto e imagens reproduzidos do site: www se gov br

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