Texto publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 09/01/2018
Anotações sobre os partidos políticos sergipanos
Afonso Nascimento Professor de Direito da UFS
Por: JornaldaCidade.Net
Este pequeno texto sobre os partidos políticos sergipanos
reúne ideias extraídas e trabalhadas de obras de Ibarê Dantas e Terezinha Oliva
sobre o assunto, bem como observações nossas anotadas aqui e ali ao longo de
nossa vida acadêmica. Para início de conversa, queremos dizer que não pode
existir democracia sem partidos políticos, mas que existem partidos sem
democracia. Esse é bem o caso da vasta história dos partidos políticos sergipanos.
Temos tido muitos partidos políticos na maior parte de nossa história, mas
nossa experiência democrática é precária e deficiente e cobre apenas dois
períodos, a saber, de 1946 a 1964 e de 1985 até o golpe de 2016.
Desde o século XIX, os sergipanos começaram a conviver com a
noção de partidos políticos, os quais podemos classificá-los como partidos
escravistas e monarquistas (as duas agremiações vigentes durante o Império) e
partidos com e sem democracia, criados, extintos, incorporados e fundidos aos
montões com o advento do trabalho livre e com o desenvolvimento da república
(termo aqui oposto a monarquia) até hoje em dia. Em 2018, são mais de trinta
partidos políticos em Sergipe para uma população de pouco mais de dois milhões
e mais de um milhão e meio de eleitores. É muita oferta de partidos! Se eles
correspondessem a correntes da opinião pública e de interesses da maioria da
população da sociedade civil, até que seria bom. Mas que nada! Esses
agrupamentos políticos não fazem a mediação entre a sociedade civil e o Estado
em Sergipe. Esse é o seu problema crônico e, por conseguinte, como partidos
querem dizer representação política só um pouco próxima da população, isso
explica a dissociação e o fracasso entre partidos políticos e democracia em
Sergipe.
Os partidos escravistas Conservador e Liberal foram impostos
pelo Estado unitário monarquista. As províncias, como Sergipe, não tinham senão
que adotá-los. Com emergência do Estado federal, as unidades federadas ganharam
o direito de criar os seus próprios partidos, de forma descentralizada. Então
ocorreu uma farra de partidos estaduais e Sergipe não ficou fora desse
movimento que também revelava muita instabilidade política. Eis aqui a lista a
nossa lista de partidos de 1888 até 1930: Partido Republicano, Partido
Católico, Partido Nacional, Partido Democrata, Partido Republicano Democrata
Sergipense. Partido Republicano Federal (Pebas e Cabaús), Partido Republicano
Sergipense, Partido Constitucional Sergipano, Partido Progressista, Partido
Republicano de Sergipe, Partido Republicano Conservador, Partido Republicano
Conservador Sergipense, Reação Republicana, Partido Republicano de Sergipe,
Coligação Sergipana e Aliança Liberal.
Nos quinze anos do regime autoritário de Vargas, novos
partidos foram criados (União Republicana de Sergipe, Partido Social
Progressista, Liberdade e Civismo, Partido Social Democrata de Sergipe, Aliança
Proletária de Sergipe, Partido Republicano de Sergipe, Ação Integralista
Brasileira e Aliança Nacional Libertadora), mas essa tentativa de vida
partidária não poderia dar certo. Foi aí que Vargas, à maneira de Otto von
Bismarck na Alemanha, transformou um Estado fragmentado e ingovernável num
Estado Nacional, de cima para baixo, com mão de ferro. Quando foi deposto em
1945, surgiram os primeiros partidos políticos nacionais: Partido Trabalhista
Brasileiro, Partido Social Democrata, União Democrática Nacional, Partido de
Representação Popular, Partido Socialista Brasileiro, entre outros). Partidos
com direção nacional, direção estadual e direção municipal. Tudo muito bem
centralizado. Para concluir essa digressão histórica, acrescentaremos que
Sergipe teve, como o Brasil, um “sistema” monopartidário (Partido Republicano
Conservador de Sergipe – PRCS – na dita República Velha por algum tempo), dois
sistemas bipartidários (Império e Ditadura Militar), sendo os demais cinco
multipartidários.
Nada tem de surpreendente a afirmação de que as cúpulas
partidárias sergipanas sempre estiveram sob o controle de pessoas oriundas das
classes proprietárias e de setores médios a elas ligados. Quando ausentes do
grupo das elites dirigentes dos partidos, as classes predominantes têm
financiado e influenciam mandatos - o que torna sempre tênue a fronteira entre
a economia e a política em Sergipe. É inegável que, com o “boom” de partidos
políticos desde a década de 90 do século passado, houve uma certa popularização
na composição social das cúpulas, bem como nos detentores de cargos eletivos e
de cargos por nomeação. Não são poucos os partidos que, atualmente, são
controlados por setores médios e populares em processo de mobilidade social.
Isso parece resultar de regras eleitorais que incentivam a participação de
puxadores de votos como radialistas, sindicalistas, pastores evangélicos, entre
outros.
Além dessa natureza classista dos partidos políticos
sergipanos historicamente pensados, autores já destacaram a forte presença de
grupos familiares acoplados às estruturas partidárias. Estamos pensando nos
artigos do jornalista Joel Silveira e notadamente do jurista Bonifácio Fortes.
Essa característica familiar dos partidos políticos e da política existe em
todo o Brasil, mas pesquisas mostram que isso acontece sobretudo no Nordeste.
Em relação às ideologias dos partidos sergipanos, esse é um
assunto para quem se interessa por ficção científica. As exceções estão
historicamente nas agremiações de direita (integralistas) e de esquerda (PCB,
PTB, PT) e de extrema-esquerda (PSTU, novo PCB, PSOL, etc.). Os partidos vivem
da competição eleitoral por votos, por mandatos, por cargos na máquina
administrativa estatal e o que mais dela podem extrair. Eles têm sido, grosso
modo, partidos catch all, ou seja, partidos que buscam votos não importando de
que grupo, segmento e classe social venham. A baixa escolaridade e, desta
derivada, a precária formação política apesar de quase dois séculos de vida
partidária e a extrema dependência econômica da maioria de nossa população só
fazem reforçar esse tipo de agremiação partidária.
Os nossos partidos políticos sergipanos têm sido
institucionalmente frágeis, personalizados, com donos e com processos
decisórios internos muito pouco ou não democráticos. É impressionante com as
direções partidárias são trocadas com tanta facilidade com ou sem intervenção
das cúpulas nacionais. O que será que preveem os estatutos desses partidos?
Praticamente essas agremiações políticas só funcionam em períodos eleitorais
com convenção, com assembleias, com seleção de candidatos, com prazos para
desincompatibilização, etc. – como escreveu Bonifácio Fortes sobre os partidos
sergipanos na década de 1960. Isso mudou um pouco, até por conta das demandas
da Justiça Eleitoral. Em muitas cidades do interior, as sedes dos diretórios são
as casas dos presidentes ou de lideranças municipais das legendas.
Embora os filiados sejam uma exigência legal, os partidos
pouco precisam deles. Com efeito, não são os filiados que financiam as despesas
dos partidos. Mais precisamente, são os contribuintes sergipanos e brasileiros
– através do Estado Federal - que pagam as contas dos partidos (burocracia,
etc.), os salários dos políticos, dos assessores individuais e nas casas
legislativas as renúncias dos programas de TV e de rádio; e que, através dos partidos,
distribuem, com critérios imprecisos, as verbas do Fundo Partidário (e a partir
de 2018 do Fundo Eleitoral) entre candidatos. Uma beleza! Isso faz com que os
partidos sejam instituições estatais e não da sociedade civil sergipana. A essa
forma de financiamento soma-se aquela, mais tradicional, oriunda de doações
individuais e doações empresariais. Estas últimas agora estão proibidas
legalmente. Mas quem ou o que impedirá que o financiamento empresarial seja
mantido nesse país continental com mais de cinco mil municípios e com uma
cultura de pouca fiscalização e de baixa aplicação da lei?
Texto reproduzido do site do jornaldacidade.net
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