Tototós resistem ao tempo e fazem parte do cenário de Aracaju
Fotos: Julia Freitas
Publicado originalmente no site do CINFORM, em 19 de março de 2019
Resistência além do rio
Por Julia Freitas
Quem trafega pela Avenida Ivo do Prado, mais conhecida como
“Rua da Frente”, no centro de Aracaju pode ver diversos imóveis e praças que
contam histórias dos 164 anos da capital sergipana. Porém, um pequeno píer no
rio Sergipe, localizado nas proximidades do
Mercado Municipal Antônio Franco, abriga um dos patrimônios culturais do
estado.
O som da buzina alerta os passageiros mais lentos sobre a
próxima viagem das pequenas embarcações que ganharam o nome do barulho que seu
motor faz: Tototó. Segundo a presidente da associação, Mary Almeida, são 16
embarcações que se revezam diariamente no transporte dos passageiros entre as
cidades, das 5h45 às 19h, de domingo a domingo. Homens, mulheres, idosos,
crianças que viajam através do rio mais conhecido da cidade em uma calma e bela
viagem de apenas cinco minutos.
Datar a primeira embarcação motorizada desse tipo que cruzou
o Rio Sergipe é uma tarefa difícil até mesmo para os historiadores locais, no
entanto, existem embarcações datadas da década de 1940 que substituíram as
antigas embarcações à vela.
MUDANÇAS
Ao longo de, pelo menos, sete décadas de travessias muita
coisa mudou para os pilotos de tototós. O historiador Marcos Vinicius Anjos
lembra que na década de 1980, essas pequenas embarcações disputavam passageiros
com lanchas maiores, mais rápidas e com possiblidade de um número maior de
ocupantes. Mas, mesmo com a concorrência das lanchas da Sergiportos, os tototós
ainda continuavam a transportar pessoas.
“Como a oportunidades de empregabilidade era maior no
comércio e serviços em Aracaju, era comum um número expressivo de canoas
atravessando o rio Sergipe, trazendo e levando trabalhadores. Assim, essas
canoas viraram marca registrada não somente dos moradores da ilha, como de
pessoas que estavam em Aracaju e queriam ir para a Barra dos Coqueiros ou nos
fins de semana para a frequentadíssima praia da Atalaia Nova”, comenta.
Outro impacto que os pilotos de tototós sofreram foi a
construção da ponte Aracaju-Barra dos Coqueiros, inaugurada em 2006. Mas com um
preço mais em conta (R$ 2 por pessoa), um tempo de travessia menor, mais
conforto e segurança – sem falar na vista – fazem com que muitas pessoas ainda
prefiram as pequenas embarcações. Como é o caso do conselheiro tutelar Fábio
Cristiano Helvecio, morador da Atalaia Nova, ele prefere o balanço do rio
quando precisa resolver algo em Aracaju.
“Eu ando de tototó desde pequeno, também já andei nas
antigas lanchas, mas eu sempre preferi o tototó. Mesmo tendo os ônibus que eu
posso pegar para chegar em casa, opto pela travessia pelo rio porque, além de
ser uma viagem gostosa, ela é segura, não tem acidentes e nem o perigo dos
assaltos”, comenta.
ENTRE FAMÍLIAS
Por se tratar de um meio de transporte antigo, é comum ouvir
histórias de pilotos e proeiros que começaram na profissão através de seus
pais, tios ou algum outro familiar. Entre eles está Valdemir Luiz Lima, o Val,
que há mais de 20 anos trabalha no píer do rio Sergipe.
“Meu avô era marítimo, ele era da Marinha de Guerra, e ele
tinha uma embarcação aqui a vela. MInha mãe, hoje com 80 anos, fala que naquela
época a travessia era feita em barcos a vela e só depois passou para
embarcações movidas a motor. Mas eu comecei a trabalhar aqui em 1998, através
de um primo da minha esposa. Eu tinha tirado a carteira náutica e estava
desempregado na época. Mas eu sempre utilizei os tototós como meio de
transporte, desde criança. E com o avanço das tecnologias, os motores ficaram
melhores e a travessia mais rápida”, lembra.
Val é esposo da tia de Flávio dos Santos, proeiro de seu
barco. Flávio, que começou a trabalhar fazendo travessias aos 20 anos, comenta
que começou trabalhando na embarcação de um dos seus tios. “O meu tio começou
ajudando o pessoal e um tempo depois conseguiu comprar a sua própria
embarcação. Foi aí que eu tirei a carteira náutica e comecei a trabalhar com
ele. Hoje, eu trabalho com o Val, que é esposo de uma tia minha, e a gente se
reveza na embarcação desse meu tio. É assim que eu consigo sustentar a minha
família”, comenta.
Desde 2011, as pequenas embarcações de madeira movidas a
motor e que atravessam diariamente o rio Sergipe são consideradas Patrimônio
Cultural e Imemorial do Estado. Uma iniciativa que pretendia assegurar a
existência, manutenção e a valorização destas embarcações e dos profissionais
que ali trabalham. Mas, na verdade, muito ainda precisa ser feito. Apesar dos
esforços de pilotos e proeiros, a falta de manutenção e, até mesmo, sinalização
nos píeres de Aracaju e da Barra dos Coqueiros afastam os turistas e a
população local.
Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br
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