Imagem aérea do bairro Siqueira Campos, em Aracaju, reproduzida do site da PMA e postada pelo blog, para ilustrar o presente artigo.
Texto compartilhado do site do JORNAL DO DIA, de 31 de outubro de 2023
Memórias do Bairro Siqueira Campos
Por Afonso Nascimento*
Escrevo este pequeno texto apenas para expor algumas memórias afetivas de meus vinte e poucos vividos no bairro Aribé ou Siqueira Campos que era, no meu tempo, semi-periferia de Aracaju, na sua zona oeste. Era um típico bairro de classe trabalhadora (ferroviários, muitos comerciários, trabalhadores da construção civil, etc.), que pessoas das zonas nobres de Aracaju chamavam de “bairro de gentinha”. Tinha também seus comerciantes, pequenos empresários.
Esse tempo está dividido em duas fases: a primeira, quando minha família veio de Salgado-Pedrinhas para Aracaju, período em que minha família morou primeiro na rua Amazonas e depois na rua Espírito Santo, dois endereços perto da Estação da Leste Brasileiro. Depois de três anos vivendo em Laranjeiras, nós voltamos a viver na nossa casa própria na mesma rua. Na primeira fase eu era criança e na segunda eu tinha quinze anos. Nota bene: Não estou preocupado com precisão nas informações que vou pondo no papel.
Vou começar pelas fronteiras do bairro, já que não sei qual era sua população naqueles bons tempos. Hoje fala-se em cerca de dezoito mil habitantes. A fronteira leste era a linha férrea, a fronteira sul na minha cabeça ia até a avenida desembargador Maynard. A fronteira norte era a avenida Maranhão. E a fronteira oeste era a rua Paraíba.
A minha rua tinha cerca de dez quarteirões, talvez mais. Era uma rua muito movimentada o dia inteiro. Pela manhã, hordas de trabalhadores, homens e mulheres, desfilavam pela rua, estudantes se dirigiam às escolas, etc. Do meio-dia às quatorze horas, tinha gente que ia e que voltava. No começo e fim da noite, a rotina não mudava.
Eu disse que morava na rua Espírito Santo e agora sou mais preciso: entre a rua Pernambuco e a rua Bahia, quase em frente ao Grupo Escolar Rodrigues Dória. A minha rua começava na linha férrea da Leste Brasileiro e ia até a rua Paraíba, onde estava o hospital psiquiátrico de Hercílio Cruz, aquele médico que guardava comunistas no seu hospital por razões diferentes. Os meus amigos habitavam a minha rua, e também a Pernambuco, a Rio Grande do Sul, a Bahia, a vizinhança, portanto.
A minha quadra não era totalmente preenchida por casas – tinha dois sítios (acho) na primeira temporada. A nossa casa era de alvenaria, presente de meu avô materno. Por muitos anos, nosso trecho não foi pavimentado e não tinha esgotamento sanitário. Na rua Pernambuco tinha uma “valeta”, que era ou um esgoto a céu aberto ou fonte de água, que corria por várias quadras. Quando chovia forte, a valeta transbordava e invadia as casas mais próximas.
Na minha quadra à esquerda, estava situado um posto da LBA (Legião Brasileira de Assistência), lugar procurado por minha mãe para cuidados médicos dos filhos, etc. À direita, na direção oeste, ficava a sede e o campo de futebol da Portuguesa. Nesse campo joguei muitas peladas, frequentei a sede do clube, e assisti a muitas partidas de futebol, à beira do gramado, durante os verões siqueirenses. Os jogadores tinham seus uniformes e usavam chuteiras e meiões. Guardei os nomes de dois craques: Zé Veneno e Misael. Esse espaço de lazer deu lugar a um conjunto habitacional nos anos 1970. Não longe de minha casa, estavam as famosas bodegas, ou armazéns de secos e molhados.
O centro do bairro Siqueira Campos (nome de líder tenentista) começava no mercado municipal, atravessava toda a rua Goiás e terminava na Praça da Igreja V.S. de Lourdes – igreja onde fiz a minha primeira comunhão. Frequentei muito esse mercado onde ia comprar carne de sol, etc., junto a comerciantes que aceitavam meu pai como alguém que comprava “fiado” e era bom pagador. Nessa mesma rua, existiam armarinhos, alfaiates, escolas, dois cinemas, barbearias, padarias, lanchonete, sindicato de professores. Mais tarde chegaram dois supermercados, o GBarbosa e Bom Preço (na praça de Lourdes) e bancos. O trecho da rua Bahia com Goiás também era centro. Lá estavam uma farmácia, uma padaria, fábrica de biscoitos, a biblioteca Clodomir Silva e uma escola de datilografia. O radialista e político Batalhinha, “O Amigo da Petizada”, morava no meio do trecho.
A minha primeira escola foi o Ginásio Senhor do Bonfim, onde aprendi a ler, contar e escrever, enfim, lá fui alfabetizado. Suas proprietárias eram duas irmãs: Edineuza (administradora) e a terrível Gió (disciplinadora). Ficava na rua Goiás. Era uma escola particular, que meu pai pagou só para os dois filhos mais velhos, Zezinho e eu. A minha segunda escola foi o Costão, antigamente chamado Colégio Costa e Silva. Voltando de Laranjeiras, onde vivi três anos, fui matriculado no Ateneu, mas não cheguei a frequentá-lo porque, nesse ano, 1970, acabara de ser inaugurado o Costão, obra do regime militar. Para esse colégio se dirigiam adolescentes dos bairros vizinhos do Siqueira Campos: Baixa Fria, Bairro América, Santos Dumont, 18 do Forte, etc. Lá estudei dois anos da escola secundária. Lembro que por lá passaram nessa época os colegas Francisco Dantas, Carlos Alberto Melo Santiago, Eugênio Nascimento, Adelson Severino Chagas, Roberto Guimarães, etc.
Minha família não tinha carro, mas meu pai andava de trolley sobre os trilhos da Leste Brasileiro. A gente tomava ônibus. Tinha pontos de ônibus, indo e voltando, na rua Bahia, na rua Paraná (Mariano Salmeron mais tarde) e Santa Catarina. Nesse tempo, aprendi a subir e descer do ônibus com o veículo em movimento! Tinha muito orgulho disso! Na rua Paraná, com Bahia, estava um ponto de ônibus muito procurado por comerciários e estudantes – em frente a uma vila de “mulheres da vida”. Ainda na rua Paraná com Pernambuco, lá estava o Bar do Estudante, uma parada obrigatória depois de alguma noitada, que pertencia ao pai de Agnaldo. A outra era o bar e restaurante de Gerson, que servia caças (como jacaré, etc., mais tarde proibidas) e muitos frangos gostosamente gordurosos. Soube que Gerson disse a um irmão que tinha alimentado aquela turma toda do Siqueira. É verdade!
As brincadeiras e jogos da meninada de minha turma eram, em grande parte, realizadas na rua, pois ainda não havia grande movimento de carros. A gente fazia botões para futebol de mesa com mica de avião e casca de coco. Tinha cada “becão”! Ou comprava botões prontos, de plástico. Tinha um jogo chamado “pé em barra”, que eu adorava! Marreta, que era uma meia transformada em uma bola com areia molhada dentro. Esse jogo não era para qualquer um! Bola de marraio (ou gude), “furão”, futebol de rua, etc. Também era legal bater perna pelo bairro e “coletar” frutas naquelas áreas ainda não ocupadas ou pegar manjelão (ou jamelão?) nos fundos do Grupo Escolar Rodrigues Dória! Ou ainda andar nos trilhos da Leste até a Jabotiana!
Não sei exatamente quando ocorreu a grande transformação no Siqueira Campos. Eu devia estar morando fora. Bom, fazendo a conversa curta, o que importa é que o bairro foi transformado, de área residencial em bairro de comércio e serviços de todos os tipos, de lojas de peças de carros, de oficinas, de clínicas médicas e laboratórios, etc. “De repente”, o bairro passou a ser uma zona perigosa de andar durante a noite, com ruas vazias, sem transeuntes, etc. Impressionante! Eu gostaria de voltar a viver nesse bairro que é como se fosse a minha terra natal. Infelizmente, o tempo não anda para trás.
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* Afonso Nascimento, professor aposentado da UFS.
Texto reproduzido do site: jornaldodiase com br
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