segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Tototós resistem ao tempo e ao preconceito da população

 Atualmente existem 20 embarcações tototós 
em uso na travessia Aracaju-Barra.
 Crédito Davi Costa.

 Carlos Henrique, usuário: “prefiro tototó pela
 tranquilidade,  rapidez. É mais fácil” 
Crédito: Cinform.

Travessia de tototó pelo Rio Sergipe ocorre domingo a domingo e custa R$ 2.
Crédito: Davi Costa.

Publicado originalmente no site do Cinform, em 28 de agosto de 2017.

Tototós resistem ao tempo e ao preconceito da população

Por Tati Melo.

Embarcações rústicas ainda são meio de transporte favorito de muitos moradores da Barra

Os naufrágios marítimos no Estado do Pará e na Bahia – deixando 23 e 18 mortos, respectivamente – deixaram os brasileiros e os sergipanos atônitos por tamanha tragédia e, claro, irresponsabilidade dos responsáveis pelas embarcações. Consequentemente, trouxe à tona também a preocupação com os transportes aquáticos nos demais Estados do País e também em Sergipe.

Quem pensa em transporte aquático coletivo em Sergipe logo vem à tona as tão temidas e famosas tototós que resistem ao tempo – mesmo com o surgimento da Ponte Construtor João Alves em 2006 – e há décadas realizam a travessia diária entre a Barra dos Coqueiros-Aracaju e Aracaju-Barra dos Coqueiros.

De acordo com a Associação de Canoeiros e Usuários das Tototós do Estado de Sergipe – Astototos – atualmente existem 20 embarcações em uso – divididas em duas equipes, uma por dia – realizando o transporte pelo Rio Sergipe das 5h45 até às 19h, sendo que no sábado até às 16h e no domingo até meio dia.

Relação Cultural. 

“Cada embarcação são dois barqueiros, um comandante e o outro é o proeiro, sendo que constantemente tem fiscalização da Marinha, principalmente quando realizamos eventos”, informa a líder comunitária da Astototos, Maria Almeida, 33 anos, a professora Mary, filha de canoeiro. Ela busca manter viva a cultura, a tradição das tototós, realizando pesquisas e projetos.

“Os canoeiros lutam pela valorização. Todas são seguras. As canoas que não têm condições de navegar estão paradas, sendo reformadas para voltar ao uso somente após vistoria da Marinha”, destaca Mary, que ainda ressalta: “existe uma relação afetiva, cultural entre os usuários e as embarcações. Eles conhecem as canoas pelos nomes, assim como os passageiros se conhecem”.

Mesmo sofrendo grande preconceito por parte da população que, ao verem seu estado rústico, simples, temem em adentrá-las e encarar uma travessia, as tototós, ao logo de toda sua história, nunca foram notícias de tragédias, naufrágios. Assim relatam historiadores, canoeiros, usuários, populares da Barra.

Único Acidente.

A única notícia recente de acidente envolvendo uma tototó foi em 2002, na realidade, uma fatalidade inusitada que acarretou numa morte. Uma embarcação que chegara no porto se chocou com outra que estava atracada e, nesse meio tempo, desprendeu um objeto que atingiu o corpo de um usuário que veio a óbito.

“Nunca vi nenhum acidente em águas. Frementemente tem vistoria da Marinha aqui, dia de sábado, de domingo, onde contam coletes, passageiros, fazem bafômetro para ver se tem alguém alcoolizado, olham o estado da embarcação”, relata Flávio Moura, 36 anos, canoeiro há 20 anos.

Flávio frisa também que, além dos coletes salva-vidas, as tototós possuem boias circulares de socorro. “Se alguém cair, escorregar existem elas para fazer o resgate”, informa. Mas, em décadas de existência, nunca foram usadas para tal fim. Segundo o canoeiro, só no mês de agosto que podem dar medo, visto que as águas ficam mais agitadas.

Agosto Revolto. 

“Quando as águas estão revoltas, a embarcação balança um pouquinho mais, mas aí vamos devagar. É bem segura a tototó. Mais que carro, ônibus, que vemos acidente toda hora”, assegura Flávio. Mas, mesmo com esse histórico zero de acidentes nas águas, os usuários evitam utilizá-las em agosto.

“Neste mês sempre temos baixa de pessoas, pois elas têm receio do tempo. Agosto é mês de chuva, vento, aí ficam com medo de atravessar”, informa o canoeiro Roberto Vieira, no ramo há 12 anos. Ele relata que, com o surgimento da ponte Aracaju-Barra, o fluxo de usuários caiu 60%.

“Mas ainda estamos aqui, lutando. Ainda tem gente que utiliza”, frisa Roberto. E tem mesmo. É o caso do eletricista Carlos Henrique Silva, 31 anos. “Quando vou para Aracaju, na maioria das vezes, prefiro tototó. A canoa é um meio de transporte mais rápido por conta da travessia de cinco minutos e do trânsito livre. No calor mesmo, é um paraíso. A vida toda faço isso. Medo não existe”, diz.

Mais Barata e Rápida. 

Questionado se bate uma apreensão de andar nas tototós ao ver tragédias como na Bahia, no Pará, Carlos Henrique diz que não. “Um mar de um Estado não é o mesmo que de outro. O mar de lá é mais agitado do que o daqui e vai de acordo com o vento. Aqui sempre é calmo. Já peguei várias vezes chovendo, ventando e não tive medo”, afirma.

A ajudante de cozinha Michele Feitosa, 40 anos, compactua do mesmo pensamento de Carlos Henrique. “Prefiro tototó pela tranquilidade, rapidez. É mais fácil. Com cinco minutos estou no Centro da Barra, de Aracaju. Tenho muito medo é de assalto nos ônibus, dificilmente pego. Além do mais, custa R$ 2, enquanto ônibus, R$ 3,50”, diz.

Mas Michele já teve receios. “Já bateu medo de andar de tototó logo quando fui morar na Barra, três anos atrás. Mas agora me acostumei. Nunca vi nada de errado. Nunca entrou água e sempre tem coletes para todos”, informa.

Texto e imagens reproduzidos do site: cinform.com.br

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