Publicado originalmente no site JLPolitica, em 08 de Jul de
2018
OPINIÃO - A velha e atual “questão” de
limites
Por Terezinha Alves de Oliva*
Têm sido divulgadas notícias de que os limites territoriais
entre Sergipe e Bahia estão sendo revisados. A divulgação tem diferentes tons:
nas redes sociais, há algumas manifestações que expressam preocupação; na
imprensa falada e escrita, as notícias enaltecem o caráter amistoso da
discussão ora encetada, a garantia de que não haverá perdas, de que se trata
apenas do reconhecimento oficial de uma realidade já dada. Tal cuidado, que parte principalmente dos
condutores do processo, remete a temores que ficaram na memória de antigas
gerações.
Este tema, o dos limites territoriais, foi motivo de muitos
problemas para Sergipe no passado.
Remonta ao Império, quando se procurou solucionar disputas territoriais
com as Províncias de Alagoas (sobre Brejo Grande) e da Bahia, desde a primeira
metade do século XIX. Proclamada a
República, a assim chamada “questão de limites” veio à tona e foi tratada por
Felisbelo Freire, na sua História de Sergipe (1891) e na História Territorial
do Brasil (1906), tendo este autor, como Deputado Federal por Sergipe,
apresentado, em 1891, proposta de revisão das fronteiras com a Bahia,
fundamentando-se nos direitos históricos de Sergipe (uti possidetis), e
argumentando uma razão de justiça, uma vez que o território sergipano restara o
menor da Federação.
A reivindicação de direitos de Sergipe sobre um “terreno que
medeia do Pambú ao rio Itapicuru e do Vaza Barris ao rio Pontal”, mereceu
avaliação de José de Oliveira Campos e de Francisco Vicente Vianna,
encarregados pelo governo da Bahia de estudarem a proposta do deputado
sergipano. Os estudiosos a consideraram uma inaceitável “invasão de mais de
duas mil léguas quadradas” no território baiano, e chegaram a sugerir que se
Sergipe quisesse aumentar de tamanho, procurasse unir-se a Alagoas, formando um
único estado sob a denominação de “Baixo São Francisco”, escolhendo uma capital
na margem daquele rio!
As delimitações com a Bahia sempre suscitaram uma análise da
questão histórica, remontando ao estatuto colonial ou à época da Emancipação
Política de Sergipe. Também levaram a conflitos abertos no passado, como
aconteceu com as vilas de Inhambupe, Itapicuru e Abadia, cujos habitantes
solicitaram sua incorporação à Bahia e levantaram vários problemas relativos ao
território da atual Indiaroba. A segunda metade do século XIX foi plena dessas
questões. Na fronteira Oeste, habitantes de Simão Dias chegaram a pedir a
interferência do Imperador para coibir os conflitos entre as autoridades da
Bahia e as de Sergipe (1864).
Lutas de jurisdição eclesiástica, política e tributária
marcaram, por mais de um século, as relações entre Sergipe e a Bahia,
resultando numa contenda jurídica que produziu obras muito importantes para os
estudos históricos. Em “A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias”, Ivo do Prado
denuncia a perda de 4/5 do território sergipano, que atribui a injunções da
Casa da Torre e da família Ávila, e à subserviência de autoridades
eclesiásticas e judiciais aos interesses da Bahia; na “História dos limites
entre Sergipe e Bahia”, Carvalho Lima Júnior defendeu a legitimidade das
pretensões de Sergipe ao território compreendido entre os rios Real e
Itapicuru. Mas Sergipe não conseguiu
reaver o território pretendido naquela época, nem quando, na Constituinte de
1988, o Senador Francisco Rollemberg apresentou emenda neste sentido, visando a
restabelecer a fronteira histórica ao Sul.
Agora se anunciam providências para a criação de norma
regulatória do limite político-administrativo entre a Bahia e Sergipe, através
do uso de coordenadas geográficas e embasada nos acordos sociais existentes, o
que implica a declaração das populações envolvidas. Equipes dos dois Estados
têm atuado em trabalhos de campo, atingindo, do lado sergipano, os municípios
de Canindé do São Francisco, Poço Redondo, Monte Alegre de Sergipe, Nossa
Senhora da Glória, Carira, Pinhão, Poço Verde e Simão Dias e, do lado baiano, Santa Brígida, Pedro Alexandre,
Coronel João Sá e Paripiranga.
A dinâmica populacional extrapola fronteiras estabelecidas.
A movimentação de pessoas para trabalhar, para estudar, para vender e comprar
ou ainda em busca de serviços de saúde, estabelece fluxos que vão se
consolidando para além das definições territoriais. É isso que configura os
“acordos sociais” a serem levados em conta. Mas todas essas relações se
inscrevem na história que um dia ligou inextrincavelmente, os destinos de
Sergipe e da Bahia.
* Historiadora, professora emérita da UFS, oradora do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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