sábado, 17 de março de 2018

Professor desempregado leva literatura a crianças carentes

 A calçada da casa do professor é transformada em sala de aula

Professor Luiz Carlos se reúne uma vez por semana com os alunos 
e trabalhar a literatura infanto-juvenil 

Mesmo em um local improvisado, as crianças parecem encantadas 
com as histórias descobertas nos livros 
Fotos: Mara Lúcia de Paula

Mara Lúcia e a filha Jaycha Rively, de 9 anos, do projeto de literatura
Foto: Arquivo Pessoal

Publicado originalmente no site G1 SE, Aracaju, em 17/03/2018

Professor desempregado leva literatura a crianças carentes de Aracaju

“O que eu faço é com amor e sou muito respeitado por elas, que serão os futuros homens e mulheres da nossa cidade”, diz Luiz Carlos Nascimento.

Por Anderson Barbosa

A calçada de uma residência localizada em uma rua sem pavimentação, no Bairro 17 de Março em Aracaju, é o local escolhido por um professor desempregado para ensinar literatura às crianças de um dos bairros mais carente da capital de Sergipe, que neste sábado (17) comemora 163 anos de emancipação política.

A sala de aula improvisada funciona uma vez por semana. Na falta de cadeiras, as crianças acomodam-se no chão e vencem o que seria a primeira barreira para se aproximarem dos livros. Depois, desvendam o conteúdo literário trazidos em uma sacola pelo professor Luiz Carlos. Quando não está em uso, o material de apoio fica exposto em um varal à espera do próximo interessado.

"A Literatura é a forma de despertar outros conhecimentos científicos, além de promover o prazer estético e dar assas a imaginação desses jovens leitores", professor Luiz Carlos

“Educação é o meio de transformação sócio- cultural para a vida de cada uma dessas crianças levando respeito, dignidade, conhecimento e independência financeira. A literatura é a forma de despertar outros conhecimentos científicos, além de promover o prazer estético e dar asas a imaginação desses jovens leitores. Inclusive tenho uma aluna que ainda não sabe ler, mas ao observar as gravuras contou a história pra gente”, diz com o sorriso no rosto.

O trabalho voluntário começou no mês de novembro de 2017, depois que Luiz Carlos participou de um workshop literário. Desde o início do projeto, 12 crianças participam das atividades e enquanto os pais estão trabalhando.

A escritora e coordenadora do Projeto Lê Campo/SE, Jeane Caldas, conheceu o trabalho do professor, e se apaixonou pela causa. “Ele sempre fez este trabalho, mas agora as ações de leitura foram intensificadas, porque conseguimos que fizesse parte do projeto Rede Ler e Compartilhar e Eu Leio, que fazem parte do programa nacional de incentivo à leitura. O programa disponibiliza sacolas circulantes com 30 livros e oferece formação continuada para os professores e mediadores de leitura, mas não paga nada por esse trabalho. Entrei na parceria por meio da Secretaria de Estado de Educação”, conta.

Não é sempre, mas quando pode o professor retira dinheiro do próprio bolso e compra lanches para a criançada. Uma forma de incentivar a permanência dos alunos e atrair outos meninos e meninas.

Combate à deficiência na leitura

O trabalho do sergipano serve de combate à deficiência da leitura ainda no início da vida escolar, como aponta a Avaliação Nacional de Alfabetização, do Ministério da Educação e Cultura (MEC). O estudo revela que mais da metade dos alunos do terceito ano do ensino fundamental não consegue nota mínima em matérias básicas. No ano de 2014, a insuficiência em leitura era de 56,17% entre os alunos. Dois anos depois o número teve uma pequena queda, 54,73%.

“Quero ver a melhoria do bairro em que moro e dessas crianças, que muitas vezes vão à escola e não conseguem aprender o conteúdo. O que eu faço é com amor, com carinho e sou muito respeitado por elas, que serão os futuros homens e mulheres da nossa cidade. A maior recompensa é o prazer de contar histórias e contribuir no processo de alfabetização dessas crianças”, conta Luiz Carlos.

Brilho no olhar

Quando o professor inicia a história, os olhos da criançada parecem brilhar e ganham a companhia de sorrisos e gargalhadas. Nem mesmo o movimento das ruas tira a concentração dos pequenos leitores. Sinal de que estão envolvidos pelas histórias.

“O que mais gosto é de ler e aprender com as histórias que ele nos conta. O professor é muito bom e trata a gente bem. Tio Luiz Carlos é muito legal comigo e com meus colegas do projeto”, afirma Jaycha Rively, de 9 anos.

A menina é filha da vendedora Mara Lúcia de Paula, que também se mostra feliz com o desprendimento do professor e vizinho de bairro. “O que ele faz é louvável e ajuda a construir o futuro dos nossos filhos, sem cobrar nada. É um grande exemplo pra nossa comunidade e para o Brasil”, diz agradecida.

A batalha do mestre

Luiz Carlos nasceu no município de Malhada dos Bois e foi criado em Cedro de São João, ambos na Região do Baixo São Francisco de Sergipe. Filho de pais separados, ele é o mais velho entre nove irmãos, o único com nível superior, conquistado no ano de 2012 após cursar Letras/Português em uma universidade particular na capital.

“Concluí a graduação com muita dificuldade financeira, pois estava desempregado. Tive a ajuda de familiares e principalmente de uma ex-diretora da instituição, que me ajudou bastante nesta fase da minha vida”, relembra.

Luiz Carlos já trabalhou em escolas particulares, em programas do governo e atualmente sobrevive dando aulas de reforço em casa, além de fazer 'bicos' auxiliando outros professores em projetos educacionais. No mês passado, tudo isso rendeu a ele pouco mais de R$ 200. “É assim que consigo pagar as contas da casa, comprar roupas e alimentos. Deus é quem dá a força pra gente superar todas as dificuldades que a vida nos oferece”, afirma.

Sempre atento aos apelos da comunidade, ele tem como meta fazer um trabalho mais intenso com os jovens e adultos que passam o dia trabalhando e ainda não são alfabetizados.

Texto e imagens reproduzidos do site: g1.globo.com/se/sergipe

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