Publicado originalmente no site do Cinform, em 20 de março de 2018
Explosão que abalou Aracaju completa 38 anos
Por Thayná Ferreira
Relatos de uma tragédia que matou doze pessoas e atingiu
centenas de pessoas
Aracaju/SE.13 de abril de 1980. Domingo à noite. Um depósito
clandestino de fogos de artifício e dinamite. Uma explosão. Doze vidas
ceifadas. Centenas de pessoas feridas. Famílias sem teto. Sonhos encerrados por
uma tragédia. Talvez você não fosse nascido nessa época, assim como eu, ou
nunca tenha ouvido falar dessa tragédia. Pois bem. Tudo isso aconteceu na
Avenida Cotinguiba, atual Edézio Vieira de Melo, bairro Suíssa, a tão famosa
Avenida da Explosão. Ela carrega esse nome justamente pelo fato deste depósito
instalado nos fundos da casa do subtenente José Pedro, do Corpo de Bombeiros,
explodir e destruir a vida de centenas de pessoas.
Relatos
Quase todos que dormiam naquela noite tiveram o sono
interrompido devido ao forte estrondo que atingiu vários locais da cidade. A
dona de casa Maria dos Santos, na época tinha 8 anos de idade. Ela lembra até
hoje do barulho, que foi tão grande a ponto de ouvir da sua casa, na época
localizada no bairro José Conrado de Araújo. Foi assustador. “Faz muito tempo,
eu era criança, mas mesmo assim eu consigo lembrar do que aconteceu. Minha mãe
acordou todo mundo, nervosa, mandando a gente correr. Acho que ela chegou a
pensar que era alguma catástrofe natural. Lembro que chorávamos sem parar,
todos apreensivos sem saber o que realmente tinha acontecido”, afirma.
A aposentada Hodenice Santiago vivenciou de perto a
tragédia. Ele conta que morava a 16 casas do depósito que explodiu. Na época
tinha 19 anos, na sua casa moravam 20 pessoas. O muro caiu com a explosão e,
por sorte, não machucou nenhum dos seus familiares. Como seu pai era pedreiro,
fez alguns ajustes na sua residência e não precisou ser transferida para outro
local. Hodenice relata que algumas pessoas que perderam seus lares foram
transferidas para o Conjunto Bugio, com muitas casas desocupadas, e serviu de
abrigo para as vítimas. Ela aproveita para destacar que o poder público dava
para as famílias materiais de construção para reerguer suas casas, mas os bens
materiais não foram ressarcidos. Na época o governador de Sergipe era Augusto
Franco e o prefeito Heráclito Rollemberg.
“Lembro que na época os governantes alegaram que não era
obrigação deles ressarcir os bens materiais das vítimas. Teve gente que morreu
ainda no outro dia, quando fazia a mudança de algumas coisas para o Bugio,
caíram do caminhão e faleceram na hora. Até têm pessoas que não vêm mais aqui
no bairro, porque perderam parentes. Eu perdi muitos vizinhos e amigos, foi
muito triste. Tenho trauma de explosão”, relembra.
História
No intuito de buscar mais detalhes sobre a tragédia,
procurei um historiador para me auxiliar na reportagem. Adailton Andrade foi a
sugestão que recebi de um colega. Em conversa com o historiador, ele conta que
é amante da história de Sergipe e já escreveu sobre 23 bairros de Aracaju. Ao
falar sobre a Avenida da Explosão, deu para sentir o entusiasmo no assunto. No
ano de 2010 ele escreveu em seu blog detalhes de sua pesquisa sobre a explosão
de 1980. Lá informa que os efeitos da explosão atingiram um raio de quase 10
quilômetros, o equivalente a meia maratona, destruindo 96 casas somente nas
proximidades do depósito de explosivos.
Adailton informa que 200 pessoas ficaram feridas e 12
morreram, entre elas um filho e a nora do proprietário do depósito. Ao todo 150
famílias ficaram desabrigadas, de acordo com a pesquisa. O Colégio Municipal
Freitas Brandão, que fica próximo ao local da tragédia, teve o telhado de
amianto inteiramente destruído. Parte dos desabrigados ficou alojada na escola
e posteriormente remanejados pela Cohab, para casas no Conjunto Bugio, como
informado por Hodenice. O historiador afirma que o Governo do Estado e a
Prefeitura ajudaram na reconstrução das casas.
Ainda de acordo com sua pesquisa, o Hospital Cirurgia e a
Clínica Santa Helena tiveram suas vidraças destruídas com a explosão, bem como
algumas residências nos bairros São José, Siqueira Campos e até mesmo no Santo
Antônio. A residência do subtenente José Pedro tinha dois andares e ficou
totalmente destruída, assim como os dois veículos que se encontravam na
garagem: uma kombi e um opala. José Pedro e sua esposa, que se encontravam no
local no momento da explosão, foram arremessados para o meio da avenida
bastante feridos, mas não chegaram a falecer. Adailton informa ainda que na
noite da explosão, homens do Exército, Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros
tentavam resgatar os feridos debaixo dos escombros, contando com a ajuda de
populares que conduziam os feridos até as ambulâncias. O subtenente Pedro e sua
esposa foram morar no Conjunto Médici depois do ocorrido. Pedro morreu em 2010,
não há informações sobre o paradeiro de sua esposa.
Causas da explosão
Segundo informações no blog de Adailton, o Instituto
Nacional de Criminalística do Departamento de Policia Federal, através dos
peritos Joao Dantas de Carvalho e Jethro Oliveira, relatou que na análise foi
encontrada a presença de nitrato de potássio (salitre), cloreto de
potássio e enxofre, componentes utilizados na manufatura de pólvora para fogos.
O explosivo existente no local foi identificado como pólvora. No relatório dos
peritos informa que, embora a pólvora não esteja agrupada nos explosivos
denominados de “alta força” ou “alto explosivo”, ela possui uma deflagração
considerada de boa intensidade, atingido uma velocidade de decomposição (combustão),
de cerca de 500 a 1000 m/s. Dependendo das condições do local e da maneira de
estocagem, sua “explosão” pode causar danos seríssimos. Os peritos executaram
seus trabalhos quatro dias após a explosão, quando a área já estava limpa. Os
escombros e aterros trouxe muita dificuldade na realização dos trabalhos
técnico periciais. Ainda segundo detalhes da pesquisa, os peritos diziam que a
escavação foi feita com a ajuda do irmão do proprietário do deposito
clandestino de fogos. Eles esclareceram ainda que a pólvora preparada em casa
geralmente é mais potente que a pólvora negra comum, pois sofre alteração na
sua fórmula com a adição de outros componentes.
Dado complementar
Os peritos efetuaram cuidadosamente raspagem no interior de
um pilão de madeira do tipo utilizado normalmente para pilar cereais e que
foram encontrados no local, tendo os exames de nitrato de potássio, substância
utilizada para a preparação de pólvoras. No local foram encontradas serragens
de madeiras e material que é usado comumente na fabricação de fogos de
artifícios. Os cones de papelão de vários tamanhos encontrados e recolhidos sem
vestígios de uso, são especialmente usados na confecção de fogos de artifícios
conhecido como vulcão. Os restos de bastões ou canudos de papel resistente reúnem
elementos expostos que configuraram tecnicamente que no local existia a prática
de pirotecnia.
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